Viva antes de morrer
A morte só nos muda de plano
Eu me lembro do dia em que me dei conta da existência fatalista da morte. Alguma pessoa que eu gostava da cidade em que eu morava, havia morrido. Nem me lembro mais quem era, mas me lembro que olhei para o céu e o dia continuava bonito como todos os outros. Do alto dos meus onze anos, fiquei remoendo revolta sentada no banquinho da praça. Queria que o mundo reagisse de alguma forma com tristeza, e o único momento que tive uma centelha do meu desejo atendido, foi na penumbra do pôr-do-sol. Passei alguns meses convivendo com o medo pela sensação de que era por volta das seis horas da tarde que a morte vinha buscar seus escolhidos na terra.
Acredito que assim como as crianças, adultos têm medo da morte por se sentirem de certa forma roubados. Roubados dos planos do cumprimento de uma rotina que sequer gostam, privados de uma vida que sequer vivem. Sobrevivem.
Somos jogados nessa partícula do universo, com uma média de 70 anos de vida útil, para a respirarmos como quisermos, com quem quisermos e onde quisermos. E nos limitamos a padrões de vilarejos, vilas, cidades, estados, paises. Somos elefantes presos em um prego que insistem em não se levantar e simplesmente partir. Temos as respostas para todas as nossas perguntas pontuais, mas nos recusamos a resolvê-las, ou aceitá-las. Porque deixar as respostas para as seis horas da tarde, esperar que o clima reaja às nossas dores, é tentação de menino que ainda quer colo o colo da certeza de saber do que vai se proteger e à quem vai recorrer.
Acontece que não precisamos disso. A vida é um pomar e oferece tudo que precisamos. Basta ter coragem pra colher. E escolher. Escolher o que plantar, em que prisões ficar , e o quê, “por que não?”, tentar.
Já não tenho mais o mesmo medo da morte que tinha aos 11, nem acredito mais que ela nos visita somente a partir das 18h. Sei agora que ela não nos priva de nada, apenas nos muda de plano. Respiro meus suspiros pra recebê-la bem viva, porque o universo é abundante, e nos supre, e aponta caminhos, mesmo quando diante dos fatos, tentamos nos fazer de mortos – ou de crianças – e esperar uma salvação que sempre veio e, sempre virá, de dentro.