Quem te autorizou a falar sobre política?
Existe um medo generalizado, por parte dos especialistas, que o discurso caia em boca errada.
Uma das tarefas do filósofo é desmontar a prodigiosa maquinaria das palavras e verificar o que está por trás, e muitas vezes, saber o que tem dentro delas: “é preciso rachar as palavras e coisas”; saber do que são feitas e como funcionam, se é que funcionam. Como nos ensinou Deleuze e Guatarri criar monstros a partir do pensamento de outros. Pegar de empréstimo e usar isso para verificar as engrenagens dessa máquina.
Pensando nisso, usamos aqui palavras, ideias e conceitos de Foucault e Benveniste para pensar um pouco como a interdição e a exclusão do discurso político afeta nossa identidade como pessoa e a nossa capacidade de produzir experiência significativa, pois a linguagem é o que dá vida ao homem e o discurso é seu instrumento de ação. Devemos resistir aos fascistas (pessoas e instituições) que tentam diariamente substituir nosso discurso por um silenciosamente selecionado com a função de nos ser atribuído, substituindo aquele que por nossa condição humana e esforço trouxemos à vida.
Existe um medo generalizado, por parte dos especialistas, que o discurso caia em boca errada, que saia da ordem, do rito… Que de uma maioria use o discurso sobre política em qualquer meio ou a qualquer hora sem atender às condições de clausura ao qual ele está sujeito. Medo de que algo descontrolável, novo, violento e descontínuo apareça dos novos enunciados, das novas formas de fala. Daí, é preciso selecionar, controlar e distribuir um discurso em que alguns estão autorizados a falar e outros não.
Como tratamos de política o discurso sobre a política deveria ser liberto daqueles que o querem preso e amplamente incentivado em sua circulação por esse caminho, talvez quem sabe, abriria uma fenda na ordem do discurso correto e começaria algo novo na política e na sociedade em geral. Possivelmente uma vontade de saber, de participar das coisas relacionadas a política. De certa forma, apagaria o discurso que de política não se fala!
Para esse filósofo, Foucault, existe alguma maneira de destronar esse medo que o discurso se espalhe e perca a ordem, porém nosso pensamento ainda resiste a essa possibilidade que passaria por resgatar no discurso sua ideia de acontecimento, um questionamento de nossa vontade de verdade e suspender a soberania do significante. Noutras palavras, é preciso que o discurso esteja relacionado com a vida, com o acontecimento e não que tem uma “memória” de como deve ser ou se repetir nos meios em que circula. O discurso precisa ser livre do engendramento de coisas que o aprisiona e o faz uma repetição silenciosa e calculada da vontade de poder.
Se pararmos para observar e sem muito esforço, percebemos isso a todo tempo. Nos grupos que pertencemos ou que fomos excluídos, na escola quando buscamos construir um saber e isso é tão forte que nem as conversas informais do cotidiano escapam à vocação de controlar o que é dito, por quem é dito e o suporte no qual será dito. Selecionam quem tem “autoridade” para falar e desautoriza tudo que não se parece com o aceito, com o correto, com o verdadeiro.
Quando vamos falar sobre qualquer assunto, até mesmo no cotidiano de nossas conversas informais, aparecem pessoas com a clara função de controlar nosso discurso e estabelecer uma forma como ele deveria circular, ser distribuído, e quem sabe, às vezes validado. Essa tentativa nasce sobretudo nos grupos com a presença de pessoas do sistema educacional que se promoveram ao longo do tempo como portadores do discurso correto e na majestosa função de corrigir os imperfeitos, e de cassar a palavra de quem não poderia ter voz e por algum motivo alcançou o direito de falar e ser ouvido.
Essa forma de interdição ocorre com frequência no cenário político em que os pensadores de plantão estabelecem critérios que autorizam e/ou desautorizam a fala de quem não aceita certas formas discursivas. Como se alguma e somente essa fosse a correta, a verdadeira e tivesse por isso o valor de verdade e o destino solene de promover o bem entre as pessoas.
Essa forma de controle discursivo que tem se apoderado das conversas sobre política se parece, quase na totalidade, com discursos de grupos religiosos onde aquele que fala deve necessariamente aceitar algumas regras e verdades sobre o grupo, dentro de critérios preestabelecidos de crença; e aqueles que não aceitam estão portanto excluídos e sua palavra não encontra suporte para permanecer tempo suficiente até ser ouvida, ela é cassada, apagada e declarada imprópria como a palavra do louco durante a Idade Média.
Depois que a palavra do louco não pode mais ser controlada criou-se instituições (psiquiátricas, terapêuticas, médicas) que produzissem discursos sobre a sanidade e portanto, sobre a capacidade desse falar (aquele que tem a razão) e daquele (o louco) que não está autorizado a falar.
Esse movimento hoje é visto na expressão incontrolável que os meios de comunicação alcançaram na sociedade contemporânea então, as instituições de apropriação do discurso criam especialistas ou pessoas autorizadas a falar sobre aquele saber (política) e desautorizar os demais que não (será?) sabem o que estão falando. O discurso recria a ideia do louco no “ignorante” e desautoriza sua fala. Os procedimentos para apagar o discurso do Outro pode ser novo, mas a ideia é antiga.
Sejamos vigilantes com aqueles que querem substituir seu discurso e sua função de Eu. O discurso é a ação da linguagem operando em nossas vidas é ela que nos faz humanos. Repense sua condição humana, o valor de seu discurso.