Não foi só mais um assassinato e não deveria ser
Existe uma ideia no Brasil de agora em que é preciso dividir e separar tudo…
Existe uma ideia no Brasil de agora em que é preciso dividir e separar tudo o que acontece, quando na verdade o que precisamos é analisar o que se passa de modo amplo e contextualizado.
A morte da vereadora Marielle não é mais importante no quesito humano do que a morte de qualquer criança que seja atingida por uma bala perdida, o que se tornou rotina em vários lugares do país.
A diferença é que ela se enquadra em uma morte que possuí muitos outros significados, ela não é apena o resultado da equação da inoperância do estado + violência sem controle. O assassinato da vereadora, é um recado à todas as instâncias do Estado Democrático de Direito Brasileiro que é ameaçado todos os dias, porém em alguns momentos essas ameaças falam mais alto.
As numerosas mortes de policiais que alcançam um número absolutamente alarmante trazem por traz das estatísticas esse mesmo recado, já que os casos não são apurados, os causadores não são punidos e a conduta acaba sendo incentivada, já que não há consequência nenhuma para quem comete esses crimes.
Assassinar a quinta vereadora mais bem votada de uma cidade como o Rio de Janeiro, que está sob intervenção militar inclusive, é dizer: Nós não temos medo da polícia, nós não temos medo do Exército, nós não temos medo do Judiciário e nós não vamos nos deter.
A dificuldade é saber quem é esse nós e ai está o X da questão. A população acuada e o poder público são reféns de “sequestradores” que se quer conseguimos identificar. É a parcela política que está no poder? É a facção criminosa que se incomodava?Alguns membros de uma corporação policial? Ou serão todos eles juntos?
Não é por ser negra, mulher e de esquerda. É por perdemos uma vereadora capacitada – Socióloga e Mestra em Administração Pública – quando encaramos um cenário de despreparo total daqueles que estão no poder. É por ela conhecer a dor de um povo carente, já que passou por todos os percalços que uma jovem oriunda de uma comunidade pobre tem que passar pra conseguir sair dessa situação.
O mais difícil é entender a razão disso incomodar a tantos, qual seria o motivo de querer tornar essa morte só mais uma enquanto o movimento deveria ser o contrário? Deveríamos querer parar de vivermos nesse modo automático em que fomos obrigados a viver, já que na atualidade se nos comovermos com cada morte violenta que acontece, viveríamos paralisados pelo medo (mais do que já estamos).
A que serve nos separarmos quando nossa democracia está ameaçada? Não seria o momento de unirmos em prol de uma alternativa viável para as eleições que se aproximam e aparentemente será nossa única salvação?
Antes de nos dividirmos enquanto brancos, negros, pobres, gays e héteros não seria melhor lembrarmos que as balas matam qualquer pessoa? Que essa polarização só traz à tona a nossa preguiça de pensar e nossa vontade de sempre encontrar um culpado e um salvador, enquanto a situação é infinitamente mais complicada do que isso?
São muitas perguntas e esse será o caminho, já que as tantas certezas jogadas aos montes nas redes sociais, servem só pra mostrar que estamos seguindo pelo trajeto errado pois tentar encarar a morte de um ente político que se colocava contra o “status quo” como algo que simplesmente acontece é dizer que vivemos em uma nação segura e estável e que assassinatos e atentados a democracia devem ser compreendidos como fatos dentro da normalidade.
Marielle foi apenas a vítima que fez aqueles que estavam se protegendo na indiferença cotidiana, ver através das telas diárias o sangue escorrer. Uns tentarão dizer que não viram e outros não conseguirão mais evitar que o medo finalmente os arranque do conforto da indiferença, os demais que já tinha medo, ficaram apavorados.