Opinião

Barbie e o mi mi mi cristão

O texto a seguir é totalmente a opinião (pessoal) do autor deste post

(Foto: Warner Bros.)

Obs: O texto a seguir possui alguns leves spoilers do filme ‘Barbie’

O filme da “Barbie” tem sido um sucesso estrondoso de bilheteria, e é um filme de poder feminino que ressalta a importância da mulher em ter a liberdade de escolher o que vai fazer, com quem vai querer um relacionamento e não aceitar que padrões comerciais ditem como uma mulher deve ser (uma metalinguagem que o filme faz genialmente com a Mattel).

Não gostar do projeto por não achar a comédia engraçada ou por que foi esperando algo mais fantasioso e encontrou uma obra que adentra nos conflitos reais da mulher no mundo cotidiano é algo válido que faz parte da experiência, agora, diminuir o filme o chamando de “satânico” como a influenciadora cristã Priscilla Mazzo, conhecida como ‘Barbie de Maringá’, chamou em um vídeo de seu canal é ainda mostrar como o próprio cristianismo não entende o valor da mulher como profissional e ser humano, e a diminui à uma mera ferramenta do patriarcado que deve sempre servir e obedecer.

Satânico é ter pastores vendendo literalmente bênçãos em troca do dinheiro suado de seus fies ou utilizando o altar para shows motivacionais. Satânico é presenciar casais cristãos extremamente infelizes porque o marido deixa de tocar a esposa e vai traí-la com outras. Satânico é ter mulheres violentadas e agredidas porque precisam ser “submissas” ao marido. Satânico é não poder estudar ou trabalhar porque mulher só pode cozinhar, lavar roupa e arrumar a casa. Satânico é menosprezar e excluir o próximo e não amá-lo como Deus ensinou.

O movimento feminista também não sai ileso porque ele foi destruído ao longo dos anos por ALGUMAS mulheres radicais que também não entendem o que é ser feminista, e à partir de seus comportamentos transformaram tal palavra em algo tóxico. Mas vamos entender o filme da “Barbie”. Primeiro: estamos falando de uma comédia, portanto, é natural que o roteiro escolha lados e torne caricato e exagerado certas críticas e comentários em favor do humor na narrativa. Segundo: a mensagem do filme é justamente mostrar que as mulheres são livres para escolher o seu caminho, os seus companheiros, sua profissão, etc. No filme, a Barbie não é apaixonada pelo Ken, e, portanto, não é obrigada a ficar com ele porque o mercado (ou as pessoas) falaram isso. E ao final da história ela entende que tal relacionamento não é certo para ambos e decide tomar uma atitude.

Hollywood, assim como outros segmentos, é uma indústria comandada em sua grande maioria por homens brancos. E desde que o cinema é cinema a mulher, os negros, os indígenas e outros grupos menores sempre foram retratados como subservientes ao homem branco – negros no passado eram interpretados por atores brancos que pintavam o rosto com tinta preta, por exemplo. E as mulheres, principalmente com o apoio do próprio cristianismo, nunca foram consideradas capazes para algumas tarefas e sempre colocadas como auxiliadoras do marido – e quando se usa o termo “auxiliar” o cristão logo entende “empregada” ou “escrava”, aquela que deve obedecer e aceitar tudo. Quantas histórias de casamentos infelizes temos porque mulheres são constantemente violentadas, agredidas física e verbalmente mas precisam manter a cabeça baixa e a pose de boa esposa por causa da religião.

E o grande paradoxo é porque a Barbie causou uma revolução no mercado por ter trazido uma boneca que não era um bebê e por ter colocado a mulher em diversas profissões mostrando que as mulheres são capazes de alcançar tal sonho. Mas na vida real isto é totalmente diferente já que em várias áreas profissionais as mulheres só foram conseguir oportunidades muitos anos depois, e ainda hoje o mercado é muito rígido com o outro sexo.

No filme, quase todos homens são bobos e impulsivos, além de nunca entenderem o outro lado (temos um personagem que apesar de aparentemente bobão ele entende a verdadeira causa). Isto quer dizer que todos os homens no mundo são assim? Claro que não! Isto é apenas uma escolha do roteiro para reforçar uma análise de como o homem costuma enxergar a mulher e não entender ela de fato. E a diretora Greta Gerwig coloca as mulheres em primeiro lugar mesmo, como donas de seu nariz e donas de seu futuro. E mostra como as mulheres são constantemente bombardeadas pelo mercado, família e religião ao serem pressionadas a se encaixarem em um molde pré-determinado pelo patriarcado. Mas o filme também reconhece o próprio comportamento distante da Barbie com o Ken, e a faz reconhecer que poderia tê-lo tratado melhor e lhe dado mais atenção – afinal, ninguém é perfeito.

Mas, infelizmente, estamos vivendo em um mundo muito mais sério e hipócrita onde tais críticas ao chamado status quo são mal interpretadas ou readaptadas para encaixar o preconceito de cada um. “Barbie” é um filme delicioso de ver. É divertido, é engraçado e cafona na medida certa, mas ao mesmo tempo, busca entender o papel do brinquedo Barbie na sociedade e em sua influência para o mundo. É uma obra que abre debates interessantes e mostra que podemos criar filmes leves, mas também inteligentes em suas mensagens. Pena que hoje na era da internet poucos querem conversar, mas logo ofender e xingar o próximo. Enfim, a hipocrisia.