Crítica: O Conde (2023) – Netflix
Longa-metragem foi dirigido por Pablo Larraín, mesmo diretor de "No", "Spencer" e "Jackie"
Augusto Pinochet foi uma piores – se não a pior – coisa que aconteceu ao Chile no século passado. Em 1973 foi nomeado pelo então presidente Salvador Allende como Comandante em Chefe do Exército Chileno, e naquele mesmo ano participou de um golpe que tirou Allende do poder e lhe colocou como líder absoluto do país. Até 1990, Pinochet comandou o Chile com mão de ferro estabelecendo uma das piores, e mais cruéis, ditaduras do século XX. Sabe-se que mais de 3 mil pessoas morreram ou desapareceram por motivos políticos e mais de 40 mil foram torturadas por agentes do governo. Sem falar da economia que foi usada para satisfazer objetivos pessoais e torná-lo cada vez mais rico.
Portanto, qual a melhor figura fictícia para caracterizar um sujeito que sugou todas as forças e recursos de um país ao seu bel prazer? Que matava e mandava matar sem piedade para proteger interesses e sua visão de governo? UM VAMPIRO, é claro! E aqui em “O Conde” o diretor Pablo Larraín cria um sátira ácida colocando Pinochet como um vampiro velho, já odiado pelo seu país, mas ainda impune pelos crimes cometidos. Recluso, ele deseja morrer. Os filhos aparecem de olho na divisão da fortuna, a esposa só quer ser mordida e virar vampira, mas tudo muda quando uma freira jovem disfarçada de contadora aparece com o plano de exorcizar Pinochet, e caso o diabo não saia de seu corpo, matá-lo em definitivo.
O longa-metragem é uma fantasia mas também uma metáfora de quase duas horas que a todo instante utiliza-se de analogias “vampirescas” para chamar Pinochet e toda sua família dos mais diversos nomes, e definições – sobra até para Margareth Tatcher. Em certo momento, durante a conversa entre a freira e uma das filhas, elas dizem:
“O demônio entrou no corpo e no caso dele deve ter entrado por um ferimento de guerra.”
“E seu meu pai nasceu assim?”, rebate a filha. “Talvez meu pai pertença a esta espécie de animais.”
“Um animal do inferno?”, pergunta a freira.
“Claro, um homem sem alma. Um cão!”, responde a filha.
Em outro momento, o próprio Pinochet revela ao seu mordomo que deseja alertá-lo sobre as intenções da freira e diz:
“Ela quer tirar o diabo de dentro de mim, mas eu não tenho nada dentro!”
Enfim, a todo instante “O Conde” não olha com nenhuma amenidade para Pinochet e sua família, pelo contrário, o humor é tão irônico, e mordaz, que a experiência fica mais divertida por causa disto. Mas também o roteiro entende como estes poderosos assassinos e ladrões passaram suas vidas impunes, colaborando para um ciclo de impunidade que permeia até hoje e abre margem para o surgimento de novos Pinochets – o final é uma exemplificação clara desta realidade que se repete.
A produção de “O Conde” é primorosa e temos aqui uma das melhores fotografias deste ano. Todo em preto e branco, o longa é visualmente acachapante e o cenário desértico serve para ressaltar o isolamento de Pinochet, e sua humanidade vazia. Nele, temos apenas lápides e uma guilhotina que reforçam seu passado (e presente) monstruoso.
Talvez o filme peque por se estender demais na exposição das metáforas e demorar no desenvolvimento de uma narrativa concisa, mas é um detalhe apenas diante do prazer que é assistir “O Conde” e se esbaldar com as quase duas horas de “fritada” ao Pinochet e à sua família de sanguessugas preguiçosos. Recomendado!
El Conde/CHILE – 2023
Dirigido por: Pablo Larraín
Com: Jaime Vadell, Gloria Münchmeyer, Paula Luchsinger, Alfredo Castro…
Sinopse: A história centra-se em Augusto Pinochet, que não está morto, mas é um vampiro envelhecido. Após viver 250 anos neste mundo, ele decidiu morrer de uma vez por todas.