140 pessoas trans brasileiras foram mortas em 2021, diz associação
No ano passado, 140 pessoas trans brasileiras foram assassinadas, segundo levantamento realizado pela Antra (Associação…
No ano passado, 140 pessoas trans brasileiras foram assassinadas, segundo levantamento realizado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e divulgado nesta sexta-feira (27).
Ainda de acordo com a Antra, em cada 10 homicídios contra trans no mundo, 4 ocorreram no Brasil.
Embora menor do que no ano anterior, o número é superior à média registrada desde 2008 (123,8 ao ano), quando teve início o registro desse tipo de violência por parte da Antra. O preconceito, políticas institucionais antitrans, impunidade e desrespeito em geral são apontados pela associação como incentivo aos homicídios.
A pesquisa divulgada nesta sexta mostra que os homicídios de 2021 tiveram como vítimas 135 travestis e mulheres transexuais, além de 5 casos de homens trans e pessoas transmasculinas.
O dossiê da Antra mostra que 138 pessoas trans brasileiras foram assassinadas no próprio país e outras duas no exterior —uma na França e outra em Portugal.
Entre as vítimas de homicídio no Brasil, 25 foram mortas no estado de São Paulo, mais populoso do país e que também lidera o ranking de violência contra pessoas trans. Com relação às regiões, o Sudeste é o primeiro da lista, com 49 casos.
Com relação à idade, 40 fontes não traziam qualquer informação a respeito. Foram consideradas as 100 restantes. Esse cenário mostra que 5 vítimas tinham entre 13 e 17 anos; 53, entre 18 e 29 anos; 28, entre 30 e 39 anos; 10, entre 40 e 49 anos; 3, entre 50 e 59 anos; e 1 entre 60 e 69 anos.
O recorte racial também é prejudicado por falta de informações oficiais. Entretanto, por meio da análise da Antra de imagens e perfis encontrados em redes sociais, 81% eram travestis ou mulheres trans negras —pretas e pardas, de acordo com o Estatuto da Igualdade Racial.
A associação mostra também que 10% dos casos noticiados na imprensa não respeitaram a identidade de gênero das vítimas e 17% expuseram o nome de registro.
Entre os meios usados para cometer o homicídio, em 120 casos foi possível identificar a forma: 47% foram cometidos por armas de fogo, 24% por arma branca, 24% por espancamento, apedrejamento, asfixia e ou estrangulamento. Em 5%, foram usados outros meios, como pauladas, degolamento e ateamento de fogo.
O relatório da Antra mostra que, em 2021, pelo menos 78% dos assassinatos foram contra travestis e mulheres trans profissionais do sexo. Segundo a associação, esse grupo é o mais exposto à violência direta, por vivenciar o estigma da marginalização.
O dossiê da Antra ressalta que as vítimas são “empurradas para a prostituição compulsoriamente pela falta de oportunidades, onde muitas se encontram em alta vulnerabilidade social e expostas aos maiores índices de violência, a toda a sorte de agressões físicas e psicológicas”.
A associação afirma que, em conversas informais ao longo do ano passado, foi possível notar que em torno de 65% das pessoas trans que trabalham com a prostituição desenvolveriam outras atividades, se tivessem oportunidade.
O dossiê da Antra relata que a maioria dos crimes acontece à noite, em via pública, geralmente em ruas desertas, com uso excessivo de violência e crueldade. Segundo a associação, os suspeitos de assassinato não costumam ter relação direta, social ou afetiva, com a vítima.
Além das mortes em si, a entidade registrou 79 tentativas de homicídio em 2021.
Para traçar o mapa da violência, a pesquisa da Antra levou em conta fontes primárias de informação, como entidades responsáveis pela segurança pública, Poder Judiciário e imprensa. Também foram usadas fontes secundárias, como redes sociais, relatos testemunhais e instituições de direitos humanos.
A entidade representativa de travestis e transexuais afirma que se chegou a 154 casos, mas parte foi desconsiderada por insuficiência de dados. Entre os 140 homicídios confirmados, 23 foram baseados em relatos testemunhais e ou de grupos específicos.
A ausência de informações oficiais com consistência é apontada pela Antra como um fator que dificulta a identificação dos assassinatos, levando à subnotificação. A associação afirma que, em parte dos casos, não há respeito à identidade de gênero ou nem mesmo ao nome social das vítimas.
Segundo a entidade, 3 em cada 4 mulheres trans ou travestis já foram vítimas de violência —a Antra aponta que, entre mulheres cisgênero esse indicador é de 1 em cada 4.
Comparado com outros países
O dado que leva a Antra a apontar o Brasil como o país que mais mata pessoas trans no mundo é baseado no projeto de pesquisa Trans Murder Monitoring, que monitora, coleta e analisa sistematicamente os relatórios de assassinatos dentro dessa identificação.
Entre 1º de outubro de 2020 e 30 de setembro de 2021, foram 375 casos em 74 países, e o Brasil fica atrás apenas de México e Estados Unidos —por esse recorte temporal, o país teve 125 casos.
Desde o início do levantamento realizado pela Trans Murder Monitoring, foram catalogados 4.042 assassinatos, sendo 1.549 no Brasil —38,2% de todas as mortes de pessoas trans do mundo.
A analista de desenvolvimento Sofia Nyx, 42, aceitou-se como mulher em 2017, após um longo processo de autoconhecimento. Moradora da capital paranaense, ela afirmou nunca ter sido vítima de violência física, mas disse que está habituada ao que chama de “violência implícita.”
“No dia a dia, acontece o preconceito. Você percebe pelo modo como a pessoa te trata, como interage com você. Mas é de uma forma implícita”, afirmou.
Desde o início da pandemia, em março de 2020, Sofia afirma manter uma rotina disciplinada de isolamento social. As poucas saídas à rua são para rápidas compras ou ainda para eventuais consultas médicas.
O isolamento quase monástico é por escolha pessoal. Por conta disso, ela acredita que se poupou de qualquer tipo de agressão, incluindo a implícita, por ela mencionada.
Apesar de não ter sofrido violência física, Sofia afirmou que, ao colocar os pés na rua, em suas raras saídas, é invadida pelo medo. “Tenho amigas e amigos trans que já sofreram violência física. Medo eu tenho. É só colocar o pé para fora de casa, e nem é por algo específico. Fico olhando para os lados”, disse.
Outro medo de Sofia é sofrer violência em algum eventual atendimento hospitalar, por algum profissional da saúde.