Ação da PM com 9 mortos em Paraisópolis não teve oficial no comando
Avaliada pelo ministro Sérgio Moro (Justiça) com um erro operacional grave, a ação na favela…
Avaliada pelo ministro Sérgio Moro (Justiça) com um erro operacional grave, a ação na favela de Paraisópolis, que terminou com 9 mortos e 12 feridos, poderia ter tido um desfecho diferente se a Polícia Militar tivesse seguido as próprias diretrizes e empregado um oficial no comando da ação.
Pelas regras da corporação, ações com efetivo superior a 20 homens (e inferior a 90) devem ser comandadas por um tenente, profissional treinado e capacitado para liderar efetivos mais numerosos e, principalmente, lidar com dispersão de grande número de pessoas, nos chamados distúrbios civis. Da operação de Paraisópolis, segundo informações do governo paulista, participaram 38 policiais militares –incluindo os envolvidos no suposto resgate de integrantes da Rocam (motos). O policial mais graduado daquele efetivo era um subtenente, uma espécie de sargento mais antigo, mas que não chega a ser um oficial.
Em São Paulo, os oficiais são formados na academia do Barro Branco, a escola de comandantes da Polícia Militar, que tem um curso de três anos de duração. Além de mais bem preparados, os oficiais são vistos pela tropa como fiscais do trabalho, o que inibe, em tese, ações ilegais. “Ele [o oficial] tem dois papéis importantes: primeiro, traçar estratégias de como será feita a operação. Segundo, conter eventuais abusos individuais de policiais”, disse o coronel da reserva Glauco Carvalho, ex-comandante da capital e doutor em Ciência Política pela USP.
“O oficial é que aquele que, normalmente, tem o preparo para contenção daquilo que chamamos de distúrbios civis. Ou seja: controlar a massa. Decidir quando se deve usar uma munição não letal, para onde encaminhar a multidão para dispersá-la, sempre deixando meios de escape. Esse é o papel do tenente.”
Carvalho comenta de maneira geral sobre a função de um oficial, de diretrizes da PM, e não do caso específico de Paraisópolis.
Um dos pontos investigados pela polícia é um possível erro operacional da PM que pode ter contribuído para a morte de nove pessoas pisoteadas em um beco da favela: a falta de rotas de fuga. Segundo testemunhas ouvidas pela reportagem, na madrugada de domingo (1º), policiais militares iniciaram a dispersão de um público estimado em mais de 5.000 pessoas, jovens que participavam de um chamado pancadão. Os PMs fizeram uso de bombas de efeito moral, cassetetes, balas de borracha e munição química.
Ainda segundo relatos de pessoas que estavam no local, devido à forma como as viaturas da PM foram dispostas nas ruas e como os policiais usaram armas (não letais), parte do público acabou sendo direcionado para uma viela, e, pela grande quantidade de pessoas confinadas ali, algumas vítimas acabaram pisoteadas e mortas.
A versão oficial é de que PMs estavam em Paraisópolis em uma operação pancadão, que deveria ter impedido a instalação do baile funk. Os policiais não conseguiram impedir que isso acontecesse e, por isso, permaneceram no entorno. Ainda segundo a versão oficial, já na madrugada de domingo, equipes da Rocam (de motos) perseguiram suspeitos em uma moto até o local onde ocorria o pancadão. Os criminosos entraram em meio à multidão atirando, o que provocou pânico generalizado, um corre-corre, que terminou com as mortes dos jovens de 14 a 23 anos, ainda segundo a versão da PM.
Essa versão é investigada pela Corregedoria da PM e, também pela Polícia Civil. Inicialmente, seis policiais foram afastados do serviço pelo comando. Nesta segunda-feira (9), o governador João Doria (PSDB) determinou o afastamento de todos os outros (32) até o final das apurações. De acordo com a Polícia Militar, não é possível afirmar que houve erro de procedimento em Paraisópolis, incluindo a questão de comando. A versão dos PMs é que uma operação rotineira acabou em “ação excepcional, crítica”.
“Pela versão deles, não estiveram [os PMs] lá para dispersar as pessoas, mas estavam numa ocorrência criminal que culminou na necessidade de usar munição química para resgatar os policiais”, diz o porta-voz Emerson Massera.
A PM admite, porém, que o ideal seria a presença de um oficial na operação. Informa que a tenente Comandante de Força Patrulha daquela noite só conseguiu chegar ao local quando o incidente já tinha se encerrado.
Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, é preciso apurar como a operação foi desencadeada, se ocorreu de forma acidental (policiais foram enviados para o local em socorro) ou previamente organizada.
“Se o comando do batalhão foi informado [da operação], o coordenador operacional deveria ter se deslocado para lá, ou o comandante da companhia, que é um capitão, ou um tenente, que também coordena a parte operacional”, disse.
“Se [a operação] era planejada, houve omissão de comando por não ter nenhum oficial coordenando uma operação desta envergadura”, disse.
Fernanda dos Santos Garcia, irmã de Dennys Franco, 16, morto no episódio, afirmou que houve uma série de erros que vão além da dispersão. Ela cita exemplos como omissão de socorro e falta de isolamento do local.
“A princípio achei um absurdo afastarem seis policiais de uma operação que tinha 38. E os outros 32? Se seis policiais gostariam de fazer algo inadequado, se espera que os 32 conseguissem inverter a situação”, disse ela.