Ação de Mantega deixa Brasil mais longe da presidência do BID
Depois de alguns dias de suspense, finalmente ficou claro que o governo eleito de Luiz…
Depois de alguns dias de suspense, finalmente ficou claro que o governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva não apoia — apesar de divergências internas — a candidatura do ex-presidente do Banco Central e atual diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), Ilan Goldfajn, para o comando do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega enviou uma carta à secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, e aos governos de Chile, Colômbia e Argentina pedindo para adiar a eleição, marcada para 20 de novembro.
A candidatura de Ilan foi apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, às vésperas do segundo turno, no qual Jair Bolsonaro foi derrotado. Com este sinal do futuro governo, ganham força, principalmente, os candidatos do Chile, Nicolás Eyzaguirre, ex-ministro da Fazenda dos governos de Ricardo Lagos e Michelle Bachelet; e do México, Gerardo Esquivel Hernández, vice-presidente do Banxico, o BC mexicano.
Adiamento pouco provável
O pedido de adiamento da eleição causou mal-estar no BID e em países-membros, incluindo os Estados Unidos (principal acionista), que consideram inadmissível essa possibilidade, devido à crise no banco após a traumática destituição do americano Mauricio Claver-Carone, em setembro.
Procurado pelo jornal O Globo, o BID informou que “o regulamento não prevê adiamento do processo. Além disso, reiteramos que qualquer questão relativa à eleição deverá ser abordada pela Assembleia de Governadores do Banco”. Os países-membros tinham até a sexta-feira para inscrever seus candidatos, que domingo apresentarão suas propostas à diretoria do BID, em Washington.
Adiar uma eleição a pedido de um governo eleito, disseram outras fontes do BID, criaria um precedente complicado. Resta, porém, a possibilidade de que a eleição não ocorra por falta de quórum. Mas isso parece pouco provável, principalmente pelo fato de que os EUA são contrários ao adiamento.
A decisão de pedir a suspensão foi tomada após o aconselhamento do ex-chanceler Celso Amorim, para quem é necessário fazer um esforço diplomático que permita uma integração regional. De acordo com interlocutores de Lula, essa decisão foi tomada por ele logo após o segundo turno. Auxiliares do presidente eleito dizem que ele Lula busca um nome de consenso, não necessariamente brasileiro.
Em entrevista à GloboNews, Mantega disse ter recebido telefonemas de integrantes da área econômica de países da América Latina se queixando de que “não estavam satisfeitos” no encaminhamento da eleição do BID:
— Resolvi entrar em contato, mandei um e-mail para a Janet Yellen, secretária do Tesouro americano. E andei conversando com ministros da Economia de vários países latino-americanos, no sentido de buscar um candidato de união.
Para Mantega, o governo Bolsonaro enviou a candidatura de Ilan às vésperas do segundo turno para, mesmo derrotado nas urnas, ter a chance de emplacar um nome de seu interesse no BID.
— Não estou dizendo que (o Ilan) seja um mau candidato, mas o Bolsonaro tentou dar mais um golpe, criar um fato consumado e fazer um presidente do BID de forma equivocada. Não foram negociar com a Argentina, o Peru, a Colômbia, o Uruguai, eles lançaram um candidato simplesmente — disse o ex-ministro.
Mantega diz que o adiamento permitiria buscar um nome de consenso:
— Se houvesse uma prorrogação, aí você poderia conversar com os outros e poderia ser um candidato brasileiro, ou poderia ser argentino, colombiano. Mas o importante é como você nomeia esse candidato, quais são os compromissos que ele vai assumir, a composição da diretoria, porque, tão importante quanto o presidente, são os vice-presidentes.
A indicação de Ilan, um economista respeitado, representava uma chance de, pela primeira vez nos 63 anos de história do BID, o Brasil assumir o comando da instituição, responsável por US$ 12 bilhões em empréstimos para prefeituras, estados e governos na América Latina.
O Tesouro americano havia sinalizado apoio a Ilan — e os EUA são o maior acionista do BID, com 30% do capital (e dos votos). O Brasil tem 11%.
O posicionamento do governo eleito enfraqueceu a candidatura de Ilan. Nos últimos dias, foi feita uma campanha para defender que ele não é um candidato político, muito menos o candidato de Bolsonaro e Guedes, que estará em Washington na semana que vem para respaldar o candidato brasileiro.
Mas, segundo fontes em Washington, a campanha não teve o efeito esperado. Em jantares na capital americana, representantes de países-membros do BID comentaram, em tom irônico, que não fazia sentido trocar “um presidente colocado por Trump (em referência a Claver-Carone, eleito dois meses antes da derrota de Trump) por um colocado por Bolsonaro”.
O fato de Ilan ter sido inscrito dois dias antes do segundo turno deixou uma marca em sua candidatura que parece difícil de apagar.
Pacheco defende nome
Fontes do governo eleito sempre deixaram claro que não se tratava de uma questão de nomes e que não está em questão a trajetória de Ilan. O problema, insistem, é que seu perfil, mais financeiro do que desenvolvimentista, não é o que o governo eleito deseja para um presidente do BID.
No governo Bolsonaro, fontes dizem haver uma disputa entre “uma ala radical do PT” e outra “moderada”, vinculada ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, que apoia Ilan.
Segundo interlocutores do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ele foi contatado na sexta-feira por Alckmin, por telefone, sobre a indicação ao BID. Pacheco disse ver Ilan como um bom nome:
— Considero alguém capacitado, experiente e que prestou bons serviços ao país. Logo, vejo adequada sua indicação. Representará bem o Brasil.
Em Washington, segundo fontes, a atitude do governo eleito causa certa perplexidade. O Brasil de Lula, dizem, está abrindo mão de uma posição inédita por questões políticas e ideológicas. Por outro lado, países de peso dentro do BID consideram complicado que um governo inicie sua gestão com um presidente do BID colocado pelo governo anterior, derrotado nas urnas.
Foi exatamente o que aconteceu com Claver-Carone. As diferenças de perfil entre o americano e o candidato brasileiro são reconhecidas, mas a crise causada pela má gestão e pelas denúncias que levaram à destituição de Claver-Carone pesam contra as chances de Ilan.
Os demais postulantes ao cargo
Nicolás Eyzaguirre – O economista, que já passou pelo FMI, tem o apoio dos ex-presidentes do Chile Ricardo Lagos e Michele Bachelet.
Augusto de la Torre – O candidato do Equador trabalhou 20 anos no Banco Mundial e passou pelo FMI, além de dar aulas em universidades.
Gerardo Esquivel – O vice-presidente do Banxico, o BC mexicano, foi apontado esta semana para o BID pelo presidente Andrés Manuel López Obrador.
Cecilia Todesca – A economista é secretária de Relações Internacionais da chancelaria argentina. Já passou pelo FMI e pela Standard&Poor’s.