Ações da Taurus caem após revogação de decretos de armas
Lula revogou normas criadas por Bolsonaro que facilitavam o acesso da população às armas de fogo
“É hora de baixar as armas, que jamais deveriam ter sido levantadas”. A frase dita pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu primeiro discurso após a confirmação da vitória eleitoral tem múltiplos significados. Um deles, é literal.
Logo no primeiro dia útil do ano, Lula editou um decreto (n° 11.366) que revoga normas criadas no mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que facilitavam o acesso da população às armas de fogo. Enquanto o militar da reserva é notoriamente armamentista, e imprimiu essa posição em seu mandato, o líder petista se posiciona exatamente no sentido oposto.
O decreto suspende os registros para aquisição e transferência de armas e munições de uso restrito, assim como a concessão de novos registros de clubes e escolas de tiro e para caçadores, colecionadores e atiradores desportivos (CACs).
O limite para a compra de armas de uso permitido também foi reduzida para três por pessoa. Por fim, um grupo de trabalho será criado para apresentar uma nova regulamentação para o Estatuto do Desarmamento em 2003.
A mudança de postura em relação a armamentos atingiu como uma bala as ações de uma das maiores fabricantes de armas de fogo do País. Os papéis da Taurus Armas (TASA4), despencaram 7,04% na última segunda-feira (2) em reação ao texto. Antes disso, os ativos já haviam reagido mal à derrota de Bolsonaro nas urnas, caindo 4.67% no pregão seguinte ao segundo turno (31 de outubro de 2022).
Em novembro do ano passado, a Taurus já havia alertado sobre esta possibilidade. “Para 2023, a Taurus se posiciona de maneira conservadora e prudente, preparada para vivenciar no País um ambiente de maior questionamento com relação ao direito à legítima defesa e à liberdade, no que diz respeito à posse e ao porte de armas”, afirmou a empresa, em relatório do 3° trimestre de 2022.
Contudo, não acreditava que o governo Lula agiria por decreto. “A experiência mostra que não é característica desse governo legislar por decreto, o que respalda o entendimento da área de inteligência de mercado da Taurus de que uma mudança na legislação, caso venha a ser proposta e mesmo aprovada, não terá efeito imediato”, disse a empresa.
Reação exagerada
Para os analistas consultados pelo E-Investidor, a reação negativa dos papéis ao decreto contra as armas é um tanto “exagerada”.
Hoje, cerca de 30% da receita da Taurus vem de vendas no mercado brasileiro. Portanto, os resultados da companhia serão impactados negativamente nesta linha. Contudo, os efeitos são limitados, já que os outros 70% da receita líquida vem do mercado externo, principalmente de vendas nos Estados Unidos – que apesar de estar desaquecido pela inflação alta, mantém certa previsibilidade.
Malek Zein, analista de ações da casa de análises do TC, avalia que no pior cenário, de uma hipotética proibição de vendas de armas no Brasil, a empresa perderia no máximo 30% da receita. “Mas isso não é plausível. É até mesmo inconstitucional”, afirma. “E dentro dessa receita de vendas no Brasil, tem a parte de licitações, de vendas de armas para polícia e exército, que não serão afetadas. O que será afetado é a parte do comércio civil brasileiro.”
Gustavo Pazos, analista de research da Warren, explica que o segmento mais sensível ao decreto presidencial será de vendas para CACs, que é uma parcela muito pequena da receita total da companhia.
“É, sim, um segmento de tíquetes mais altos, que costuma comprar com uma certa recorrência, mas ainda assim a redução dessas vendas terá um impacto marginal frente à receita total da Taurus”, diz Pazos.
A provável queda das vendas no mercado interno também pode ser mais que compensada pelo aumento das vendas em outras regiões, como a Índia. É isso que explica Leonardo Piovesan, analista fundamentalista da Quantzed.
“A Taurus está em vias de concluir uma planta na Índia. Desta forma, a empresa ficará exposta a toda demanda de armamentos do país, via licitações. Isso pode representar oportunidades grandes para a companhia”, afirma Piovesan. O especialista mantém recomendação de compra para TASA4, que está com um bom fluxo de caixa livre e deve pagar dividendos em 2023.
Mesmo com esse impacto limitado, a pressão sobre os papéis deve continuar nessas primeiras semanas do ano. Um dos motivos é pela característica da base de investidores, majoritariamente composta por pessoas físicas, que geralmente são mais propensas a agirem guiadas por “ruídos”.
Jader Lazzarini, analista CNPI do Trademap, tranquiliza esses investidores. “O tema é sensível ao viés ideológico do novo governo, e por conta disso as restrições e suspensões são colocadas em prática, mas hoje a Taurus é uma empresa mais estrangeira do que brasileira – e a depender da continuidade dos fatos, esse panorama deve se perpetuar”, explica.
Cenário pós-Bolsonaro
Para Zein, do TC, o fato de a Taurus ser uma empresa de 80 anos de mercado deixa claro que ela não depende necessariamente de um viés político favorável para continuar suas operações. “O mercado civil sempre esteve aí. Cresceu recentemente, mas sempre esteve aí”, explica o analista.
Durante o mandato de Bolsonaro, as ações TASA4 apresentaram uma valorização de 250%, passando de R$ 4,05, em dezembro de 2018, para R$ 13,35, em dezembro do ano passado. O volume médio diário de negociação dos papéis preferenciais na bolsa saltou de uma média de R$ 5 milhões, no final de 2018, e atingiu o pico de R$ 50,9 milhões em 2021.
Em 2022, esse volume caiu para R$ 16 milhões, montante ainda mais de três vezes maior que há quatro anos. Os dados foram levantados por Einar Rivero, head comercial do TradeMap.
Esta alta na valorização e negociação das ações ocorreu em função de uma “combinação perfeita”. A ampliação do acesso de civis a armamentos feita pelo ex-presidente Bolsonaro impulsionou as vendas no Brasil. Na outra ponta, a Taurus colheu os frutos de uma intensa e bem-sucedida reestruturação.
Há apenas cinco anos, a fabricante de armas apresentava patrimônio líquido negativo. “Era uma empresa prestes a quebrar. As asmas eram tidas como muito ruins e hoje em dia não tem nada disso. Virou referência”, diz Zein, do TC. “Claro que a Taurus foi ajudada pelo bolsonarismo, mas não foi o Bolsonaro que salvou a companhia.”
Em dezembro de 2017, uma nova gestão assumiu a companhia e fez a Taurus retomar o caminho da lucratividade. Salesio Nuhs se tornou presidente e Sérgio Filho, diretor financeiro. As alterações foram promovidas pela Companhia Brasileira de Cartucho (CBC), acionista controlador da empresa.
“Eles conduziram um turnaround fantástico. Saíram de um patrimônio líquido negativo para pagar dividendos, como é atualmente”, afirma Zein. “A valorização expressiva veio disso, uma grande melhora de produto e uma retomada do lucro.”
Essa também é a visão de Pazos, da Warren. O especialista ressalta as “excelentes métricas” de solvência, assim como a logística de fábrica e posicionamento geográfico das plantas.
“Essa ideia de que a Taurus surfou o bolsonarismo e agora vai por água abaixo com a eleição do PT é equivocada. O fato é que a Taurus é uma das empresas que apresentou melhorias operacionais gritantes, um dos melhores turnarounds da Bolsa nesse passado recente”, afirma. “Hoje a imagem da empresa no mercado é muito positiva.”