CASO HENRY

Advogada diz que mãe de Henry cumpriu ordens ao pedir para babá apagar mensagens

Novos advogados reforçam que ela está dizendo a verdade e que, até aquele momento, era impedida de contar o que sabia

Monique está presa desde 8 de abril no Instituto Penal Ismael Sirieiro, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro (Foto: reprodução/ PC-RJ)

A professora Monique Medeiros, mãe do menino Henry Borel, escreveu uma carta nos últimos dias para contar sobre o relacionamento com o vereador Jairo Souza Silva, o Dr Jairinho, e relatou uma nova versão sobre os fatos que envolvem a morte do filho em março. Além disso, ela também deu detalhes do relacionamento com o vereador e contou, agora, que era agredida.

Em entrevista à coluna, a advogada Thaise Mattar Assad falou sobre a nova versão de Monique, a quem está representando há cerca de duas semanas junto com os advogados Hugo Novais e Thiago Minagé. Desde que assumiram o caso, a equipe passou a dizer que ela iria falar a verdade e, até aquele momento, tinha sido impedida de contar o que sabia.

Os defensores seguem insistindo que a Polícia Civil do Rio faça um novo interrogatório de Monique. Assad disse que a carta de 29 páginas não foi escrita pela defesa e que narrou “um contexto de violência grave anterior” à morte de Henry, mas reconhece que a professora ainda precisa dar mais explicações sobre os fatos que envolvem a morte de Henry: “O que todo mundo queria saber, ela parou na metade”.

Questionada, a advogada disse ainda que o pedido que Monique fez para que a babá Thayná Ferreira apagasse as mensagens foi parte das ordens que recebeu de Jairinho para que se apresentasse um “enredo único”.

FOLHA: Como a Monique está se recuperando da covid-19?

THAISE: Ela está bem. Está isolada no Hospital Penitenciário de Bangu e não temos acesso pessoal a ela por conta do isolamento da doença. Então a gente só se comunica com ela por meio de escritos. Por isso, a origem dessa carta, do desabafo que veio a público. Foi a única forma que a gente achou de se comunicar com ela. Fiz um bilhete para ela relatar o que ela quisesse, para nos posicionar da situação, e ela fez aquele relato.

Para nós, foi uma surpresa também. Ela terminou de escrever isso na sexta-feira de tarde. Ela não chega a terminar de escrever e para no meio de uma frase. Não coloca ponto final porque, de fato, a gente tinha que ir embora e ela estava recebendo atendimento médico e não tinha como continuar escrevendo e nos deu aquilo ali.

Nós achamos importante a divulgação por conta de a gente ter concebido essa carta como um ponto de socorro de alguém que precisa ser ouvido. Então foi essa a nossa intenção. Na segunda-feira, juntamos a carta original no inquérito reiterando o pedido para ela ser ouvida.

Fizemos novos pedidos também. Pedimos que seja oficiada a Anvisa e o órgão estadual competente para se averiguar as receitas que o (vereador) Jairinho fornecia enquanto “médico” já que ele não exercia a medicina, mas receitava para pessoas próximas. Tivemos essa informação na carta da Monique e resolvemos fazer um levantamento para ver se era ele mesmo quem receitava ou se ele pegava sem receita. Mas a nossa defesa não se esgota aí. É só um primeiro passo só. Essa carta não substitui o depoimento em si.

FOLHA: A polícia disse o quê?

THAISE: Não tem uma posição da polícia. Não temos o sim e nem o não.

FOLHA: Na carta, a Monique relatou mais um episódio de agressão do Jairinho ao Henry em Janeiro. Como sabemos, a babá e o próprio menino relataram a ela o episódio da rasteira em 12 de fevereiro? Não é contraditório ela saber das agressões e não ter afastado o menino do Jairinho?

THAISE: Tem dois pontos a esse respeito. O primeiro é justamente que ela precisa ser ouvida para dizer e explicar o porquê dessa atitude dela: como ela via isso, como achava que estava agindo e se isso era suficiente para conseguir controlar a situação. Ela sente muita culpa. Isso está bem explícito na carta por tudo que aconteceu.

Só que algo que eu queria pontuar, que me parece o mais importante, e, isso está incutido na tua própria pergunta, é que a pessoa que está vivendo uma situação assim não tem a noção de como ela está agindo. Agora, fora da bolha do relacionamento abusivo, a gente enxerga de tudo: o que faria, como agiria, quem tem que chamar e como denunciar.

Agora, por que existem tantos casos de pessoas que sofrem violência e não denunciam? E pessoas esclarecidas, às vezes, com formação jurídica, mestrado, doutorado e sofrem violência doméstica em casa. Saber o que fazer nem sempre adianta.

Então eu acho que antes de eu falar por ela, e o Brasil inteiro já está falando por ela, muita gente dizendo como ela deveria ter agido, só que a pessoa que está nessa situação não tem todo o discernimento e liberdade de atuação. Muitas vezes nem ela consegue enxergar que está inserida em um contexto de violência. Então, por isso, é tão cruel, grave, vicioso. Por isso, a mulher sai de casa e volta. Por isso, houve uma reforma legislativa que mudou as ações de violência contra mulher para não ter mais a possibilidade de ela fazer a famosa “retirada da queixa”.

FOLHA: Ela falou sobre estar arrependida de não ter tirado Henry do convívio com o Jairinho?

THAISE: Hoje a Monique está desolada com a situação. Hoje ela consegue enxergar o contexto porque aconteceu uma desgraça. Isso é muito comum em casos de tentativa de feminicídio, por exemplo. A mulher quase morre e aí enxerga o que poderia ser feito.

Se a gente comparar a Monique com as ex-namoradas do Jairinho, uma delas teve um filho com uma perna fraturada. Imagina fraturar o fêmur, o osso mais resistente do corpo humano. A imagem que essa mulher deve ter hoje e a cobrança que ela própria se faz. A culpa que ela carrega é maior que qualquer penalidade que a Justiça possa dar para ela. Ela expôs o bem mais precioso que ela tem, que é o próprio filho, a uma pessoa que machucou e poderia ter matado. A diferença da Monique para essas histórias é que a Monique não foi o quase. Ela perdeu o filho.

FOLHA: Algumas pessoas acharam que a carta pode ter sido orientada por vocês da defesa e citaram alguns termos como “macerar” comprimidos, em referência a ela contar que viu remédio em suas bebidas. A carta foi escrita com orientação da defesa?

THAISE: Tenho a maior tranquilidade de dizer que não teve nenhuma orientação. Tanto que a gente se surpreendeu com a carta. A família se surpreendeu. Esse “macerar”, na hora de ler, a gente até não estava conseguindo entender, direitinho. Foi uma forma dela dizer que foi amassado, exprimido. Isso (o termo) não me diz nada de que teria sido orientado. Ela simplesmente falou de um contexto anterior e, o que mais a gente queria que ela explicasse, ela não fala na carta né? Que eram as questões depois (do crime). Se você fosse pensar como defesa criminal, fazer uma carta para impactar o Brasil e para explicar o que está todo mundo criticando, eu teria falado: “Monique, me explica sobre salão de beleza, selfie, sobre como você fez essa versão mentirosa”. Tanto não foi que me veio uma situação totalmente inesperada. Ela me narra um contexto de violência grave anterior ao fato e o que todo mundo queria saber ela parou na metade.

FOLHA: Na carta, a Monique não explicou sobre a acusação da babá de que ela pediu que a Thayná destruísse as mensagens em que relatava as agressões do vereador ao Henry. Por quê?

THAISE: O que a Monique coloca para a gente a todo momento é que ela foi treinada por diversos momentos para fazer o depoimento dela e montaram um enredo único que todos deveriam aderir para que o Jairinho não fosse prejudicado. Então, todas as atitudes posteriores da Monique, sejam no sentido de agradecer quem mentiu e de interferir para que seja mantido um enredo, é justamente no sentido de cumprir essa ordem inicial de que teria que ser um enredo único e que seria melhor inclusive para ela. E a Monique vai poder dizer como e o porquê ela se portou assim.

FOLHA: A Monique falou para a babá Thayná Ferreira por instrução do Jairinho para apagar as mensagens? 

THAISE: Ela foi orientada a aderir a um enredo único, uma versão falsa a respeito dos fatos e as atitudes dela, posteriores, foram no sentido de cumprir essa obrigação. Ela ainda vai explicar.

FOLHA: No dia da morte, as médicas que o atenderam disseram ter visto sinais de violência no Henry. Ele tinha marcas nos braços. A Monique não viu isso? 

THAISE: Ela não nos relatou isso ainda. Ela nos relatou que, no momento desse desespero todo, ela enrolou ele numa manta e ele estava de pijamas de manga e calça comprida. Pode ser por isso. É uma suposição, não posso dizer. Ela enrola ele numa manta e eles vão para o hospital. Quando chega lá começa a gritar por ajuda e os médicos vêm e fazem as tentativas de salvar a vida dele. Então, não sei dizer se ela viu ou não as marcas. Isso ela precisa esclarecer.

FOLHA: O Henry tinha muitas agressões pelo corpo e a lesão no fígado é muito grave. Impossível não pensar que ele possa ter gritado. Ela não ouviu nada naquela madrugada?

THAISE: Eu não fiz essa pergunta a ela. Se ouviu ou não ouviu nada. O que ela nos relata é que ela estava dormindo, que ela tomou remédio para dormir e depois foi acordada pelo Jairinho. Se ouviu ou não ouviu, não sei informar. Mas são perguntas que ela deve responder para o delegado. Por isso, ela quer ser ouvida.

FOLHA: Os médicos não alertaram ela no hospital para a possibilidade da violência? 

THAISE: No primeiro momento, ela estava sim crente de que tinha sido um acidente. Ela só vem a ter noção de que não momentos depois quando ela começou a ser envolvida num enredo com mentiras e começou a ser pressionada, bloqueada de ver televisão, notícias, ter acesso à família, ao próprio carro e treinada para dar uma versão única. Você está perguntando coisas que, inclusive, eu quero saber. As conversas que eu vinha tendo com ela, em Niterói, não estou tendo mais por causa da internação. Estamos nos comunicando por escrito. Tem uma barreira complicada. Estamos tentando fazer com que ela desenvolva e nos traga notícias. Estou questionando ela a respeito de várias coisas, salão de beleza, selfie, enfim, tudo isso. Vamos ver se ela consegue nos informar.

FOLHA: Por que eles estavam juntos no dia da prisão? Eles iam fugir? 

THAISE: Não sei nada em relação à fuga, isso é uma especulação. Ela estava com ele porque eles estavam juntos e ela me confidenciou que não estava tendo acesso a nada, nem à própria família sozinha. Chegou um determinado ponto ali, de quando se aproximou de ela ir depor e tudo começou a tomar uma proporção maior do que o Jairinho gostaria, que ela ficou totalmente presa à família dele e ao enredo dele e a situação exposta da forma como ele gostaria. A Monique só conseguiu mudar de advogado depois que foi presa.