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Ajuda enviada pelo Brasil a palestinos fica retida na fronteira da Faixa de Gaza

Segundo denúncia, 30 pacotes de suprimentos não puderam entrar no território; insumos de outros países também estão bloqueados

Foto: Folha de São Paulo

VIA FOLHA DE SÃO PAULO – Centenas de pacotes de ajuda humanitária destinados à Faixa de Gaza enviados por vários países, incluindo o Brasil, estão bloqueados por Israel na região da fronteira com o Egito enquanto milhares de pessoas passam fome e sofrem com a falta de medicamentos no território palestino.

O bloqueio tem sido denunciado pelo deputado italiano Ângelo Bonelli, do partido Europa Verde, que integra uma delegação de seu país enviada à região fronteiriça para monitorar a entrega de ajuda. Segundo ele, os insumos estão em uma tenda do Crescente Vermelho (braço da Cruz Vermelha em países islâmicos) na região de Al-Arish, localizada a cerca de 20 quilômetros da passagem de Rafah, que separa Gaza do Egito.

O parlamentar afirma ter visitado o local e se deparado com cerca de 400 pacotes de ajuda, incluindo 30 que foram enviados pelo governo brasileiro e empresas privadas. As caixas, segundo ele, contêm medicamentos, incubadoras, refrigeradores, cilindros de oxigênio, muletas, barracas, painéis solares e outros itens destinados principalmente a profissionais de saúde palestinos.

Uma das cargas paradas na fronteira são filtros de água portáteis da startup brasileira Pwtech, capazes de purificar até 5.000 litros por dia.

“Doamos 32 equipamentos no começo do conflito, que foram levados no avião da FAB [Força Aérea Brasileira]”, diz Fernando Silva, CEO da Pwtech, acostumado a enviar ajuda humanitária tanto para os indígenas yanomamis, no Brasil, quanto para a Ucrânia.

“Depois, ganhamos uma licitação de um organismo da ONU e enviamos mais 150 unidades para Gaza, que saíram do Brasil no começo desse ano.” Silva reconheceu os filtros pelas fotos que chegaram via WhatsApp. “Foi um susto. Mas é sempre uma negociação em campo; enfrentamos isso no Brasil e lá [em Gaza] não seria diferente.”

Um funcionário egípcio da ONU, falando em condição de anonimato, disse à Folha que muitos pacotes estão parados desde o início da guerra. Segundo ele, parte dos itens rejeitados por Israel tem peças metálicas que poderiam ser usadas para gerar energia, enquanto um kit de primeiros socorros foi barrado porque contém uma tesoura.

Os funcionários e voluntários em Al-Arish também teriam afirmado que o governo de Binyamin Netanyahu reluta em autorizar a entrada dos pacotes em Gaza sob a alegação de que os materiais podem representar um risco à segurança de Israel. Assim, pacotes de França, Alemanha, Arábia Saudita, Singapura e Kuwait, além dos insumos enviados pelo Brasil, estariam bloqueados no Egito há cerca de um mês, segundo Bonelli.

Centenas de caminhões com ajuda humanitária também estão parados próximos de Gaza à espera de autorização para entrar no território palestino. “Há uma fila interminável de caminhões que foram bloqueados de entrar em Rafah apesar da situação catastrófica [em Gaza]”, diz Bonelli. “Uma loucura.”

Procurado, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha disse não ter informações sobre a ajuda enviada pelo Brasil que teria sido bloqueada no Egito. A organização, porém, afirmou que desafios logísticos da prestação de ajuda são significativos. O Itamaraty e a Embaixada de Israel no Brasil não responderam aos questionamentos da Folha até a publicação desta reportagem.

Israel tem sido acusado de restringir a entrega de ajuda humanitária em Gaza desde o começo da guerra contra o Hamas, em outubro de 2023. No último sábado (2), Eylon Levy, porta-voz do governo israelense, rebateu as acusações ao afirmar que Tel Aviv não impõe limites à quantidade dos insumos enviados ao território palestino. “A ideia de que Israel ‘não deixa entrar ajuda’ é simplesmente uma mentira.”

Mas organizações que atuam com direitos humanos dizem que inspeções prolongadas e bombardeios das forças israelenses bloqueiam a entrega de ajuda aos palestinos. O subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths, chegou a descrever a situação como “impossível” ao comentar as dificuldades que as organizações lidam para fornecer ajuda a Gaza. “Três níveis de inspeções antes mesmo dos caminhões conseguirem entrar. Confusões e longas filas. Uma lista crescente de itens rejeitados. Bombardeios constantes. Comunicações ruins. Comboios alvejados”, escreveu ele no X.

A pressão contra o governo israelense aumentou nesta terça-feira (5), após o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmar que “não há desculpa” para que a ajuda não chegue a Gaza. No sábado (2), aviões americanos lançaram pela primeira vez kits com água e comida sobre o território palestino —Washington diz que os militares forneceram quase 40 mil refeições, enquanto a ONU estima que meio milhão de palestinos estão à beira da fome.

A ação havia sido anunciada por Biden na sexta-feira (1º) —um dia antes, o Exército de Israel atirou contra civis que aguardavam para receber alimentos no norte da faixa. Mais de 110 palestinos morreram na ofensiva, segundo o grupo terrorista Hamas, que controla o território, em um episódio que intensificou os comentários de que Tel Aviv atua de forma desproporcional no conflito.

As críticas às ações de Israel em Gaza são endossadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que teve que lidar com uma crise diplomática com Tel Aviv depois de comparar as ofensivas israelenses ao extermínio de judeus promovido por Adolf Hitler. O líder petista foi declarado “persona non grata” por Israel, e o embaixador brasileiro Frederico Meyer foi chamado para reprimenda fora do protocolo diplomático, no Memorial do Holocausto.

Em fevereiro, Lula disse que o Brasil vai realizar uma doação para a agência da ONU voltada para refugiados palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), mas não revelou os valores. A entidade está sob investigação após acusação de Israel de que alguns de seus integrantes supostamente teriam vínculos com o Hamas e participaram dos ataques do 7 de Outubro. Por isso, mais de dez nações, a maior parte europeias, cortaram o financiamento.

Já a Organizações das Nações Unidas afirmou nesta terça-feira que os níveis de desnutrição infantil no norte da Faixa de Gaza estão “particularmente extremos”. Richard Peeperkorn, representante da organização para Gaza e a Cisjordânia, disse que uma em cada seis crianças menores de dois anos de idade estava gravemente desnutrida no norte de Gaza. “Isso foi em janeiro. Então, a situação provavelmente é pior hoje”, afirmou ele, referindo-se à época em que os dados foram registrados.

Pelo menos 15 crianças morreram nos últimos dias de desnutrição e desidratação no hospital Kamal Adwan, no norte de Gaza, informou o Ministério da Saúde em Gaza, controlado pelo Hamas, no domingo (3). Além da fome, há um risco crescente de doenças infecciosas, com 9 em cada 10 crianças menores de cinco anos —cerca de 220 mil— adoecendo nas últimas semanas, de acordo com James Elder, porta-voz do Unicef (fundo da ONU para crianças).

Em quase cinco meses de guerra, 30.631 palestinos foram mortos na Faixa de Gaza, segundo o Hamas. As ofensivas foram desencadeadas pelo mega-ataque terrorista no dia 7 de outubro que deixou cerca de 1.200 mortos.

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