Alexandre de Moraes relata e trava caso sobre ele mesmo no Supremo
Ação discute a legalidade de um ato administrativo encabeçado por ele mesmo quando era secretário da Segurança Pública de São Paulo
O ministro Alexandre de Moraes é relator de uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) que discute a legalidade de um ato administrativo encabeçado por ele mesmo quando era secretário da Segurança Pública de São Paulo. Ele travou a ação na corte ao negar seu seguimento. Em 2016, como titular da pasta do governo Geraldo Alckmin (PSDB), Moraes liderou a iniciativa de retirar, com uso de força policial e sem a necessidade de mandado judicial, estudantes de escolas técnicas ocupadas.
À época, ele assinou pedido de orientação jurídica e a PGE (Procuradoria-Geral do Estado) deu parecer favorável. O PSOL em seguida entrou com ação no STF para contestar a iniciativa do governo paulista. Nomeado ministro do Supremo em 2017, Moraes se tornou relator do caso em substituição a Teori Zavascki, morto em janeiro daquele ano. Ele então decidiu negar seguimento da ação. O PSOL recorreu, e o processo, após quase três anos tramitando na corte, aguarda julgamento.
O partido chegou a pedir o impedimento ou a suspeição de Moraes, o que foi negado, em decisão monocrática, pela então presidente da corte, Cármen Lúcia, em 2017.
Como secretário em São Paulo, Moraes se disse preocupado com “o crescente número de invasões” ao pedir a orientação jurídica para retirar os estudantes das escolas. “Entendo que a judicialização da questão possessória somente deveria ocorrer no caso de o Estado, por meios próprios e proporcionais, não conseguir fazer cessar o esbulho mediante desforça necessário”, escreveu ao questionar se poderia utilizar força policial sem medida judicial.
Ao STF, os advogados do PSOL, Ari Marcelo Solon, professor da USP, e André Maimoni, argumentaram que o ato contrariou os princípios da cidadania, liberdade de expressão e legalidade estrita, contidos na Constituição. Em despacho, Teori pediu, “diante da relevância da matéria constitucional suscitada”, informações prévias à Secretaria da Segurança e à PGE. Em seguida, encaminhou a ação à AGU (Advocacia-Geral da União) e à PGR (Procuradoria-Geral da República).
Todos os órgãos, com exceção da PGR, opinaram pela improcedência. Moraes foi indicado ministro do STF pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). Em 12 de maio de 2017, quatro meses após a morte de Teori, ele rejeitou a ação, antes do pronunciamento da PGR.
Segundo ele, “inexistem efeitos concretos decorrentes do ato impugnado, como bem salientado na manifestação do advogado-geral da União, por se tratar de manifestação meramente opinativa”.
Os advogados do PSOL recorreram a artigos do Código do Processo Civil para pedir o impedimento de Moraes. Um dos dispositivos diz haver “suspeição do juiz interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes”.
Para eles, a suspeição era necessária porque o ministro “se manifestou no caso concreto, na condição de secretário”, mas o pedido foi negado. Logo depois, o então procurador-geral Rodrigo Janot pediu vistas do processo.
Os advogados recorreram da decisão de Cármen Lúcia de negar a suspeição. O caso foi levado ao pleno virtual do STF, que negou o pedido em 29 de junho de 2018.
“Os argumentos trazidos no presente recurso, insuficientes para modificar a decisão agravada, demonstram apenas inconformismo com a decisão pela qual contrariados os interesses do agravante”, escreveu a ministra.
No acórdão, Cármen Lúcia afirmou que, com base na jurisprudência do STF, a “arguição de suspeição revela-se incabível no âmbito do processo objetivo de controle normativo abstrato de constitucionalidade”. Segundo ela, a simples atuação de Moraes “no governo de São Paulo em momento pretérito não configura situação a justificar, por si só, questionamentos quanto à independência do ministro”.
Ari Marcelo Solon, advogado do PSOL, discorda da decisão. “É uma jurisprudência corporativista”, afirma.
O professor de direito constitucional da FGV Direito SP Rubens Glezer diz que, nesses casos de impedimento ou suspeição, o STF adota jurisprudência formalista. “Ele se pauta mais para preservar a avaliação autônoma de cada ministro do que transmitir sensação de imparcialidade e transparência à população.”
Para ele, quando um ministro se envolve com o tema, há subsídios para afastamento. “Muitos não abrem mão do poder. A natureza do problema não é jurídica, é política.”
O STF informou, em nota, que o pedido de impedimento já foi avaliado pelo STF e rejeitado. Sobre o pedido do PSOL, a corte afirmou que, “enquanto a AGU deu parecer pela extinção da ação, a PGR não se manifestou pelos nove meses seguintes”. A PGR disse que, quanto aos posicionamentos referentes à ação, “se manifestará nos autos”.
O PSOL aguarda o julgamento de recurso contra a decisão de Moraes. Não há previsão de retomada do julgamento.