Alta quantidade de coronavírus em assintomáticos no Brasil gera surpresa
Grupo da UFMG investiga se país tem uma linhagem mais contagiosa do vírus em circulação
A busca por portadores assintomáticos do coronavírus começa a revelar aspectos intrigantes da propagação da Covid-19 no Brasil.
Acredita-se que a transmissão assintomática seja responsável por cerca de 60% da propagação do vírus. São pessoas que se sentem saudáveis, muitas das quais não adoecem, mas transmitem o vírus.
Um novo estudo, porém, indica que algumas pessoas sem sinais da doença têm uma carga viral, isto é, uma concentração de vírus, muito grande. Tão elevada, que surpreende os cientistas.
Em tese, elas seriam mais contagiosas. Pois não só têm mais vírus quanto ainda, por não se sentirem doentes, circulam mais e podem espalhar o vírus.
Encontrar os assintomáticos e saber o quão são frequentes em nossa população é essencial para controlar a pandemia, frisa Renato Santana, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da UFMG.
Ele integra o grupo de cientistas da UFMG, coordenado por Renan Pedra, que colabora com a Secretaria de Saúde de Betim, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em um projeto que faz busca ativa para identificar a prevalência do coronavírus.
Embora fundamental, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e especialistas repetem sem cansar, a busca ativa de infectados é raridade no Brasil, a despeito de o país ser o segundo mais afetado do mundo pela pandemia.
O projeto pretende testar 5.400 pessoas por meio de exame molecular, o RT-PCR. Este mostra quem está infectado no momento da coleta da amostra. São realizados também testes rápidos para verificar contato prévio com o vírus.
— Já encontramos em pessoas totalmente assintomáticas, sem qualquer sinal de Covid-19, uma carga viral impressionante. Alta como nunca vi na vida — diz Santana, um cientista experiente, com trabalhos pioneiros sobre os vírus zika e chicungunha, por exemplo.
Até o momento, não existe explicação para o achado. Uma possibilidade é que essas pessoas tenham sido infectadas por uma linhagem do coronavírus Sars-CoV-2 que se replica com mais eficiência e, assim, seria mais contagiosa. O grupo da UFMG estuda essa hipótese.
Porém, ter maior capacidade de contágio não implica em maior agressividade do vírus. Já se sabe que existem muitos pacientes graves de Covid-19 que têm baixa carga viral. Por que, não se sabe.
Pesquisa sobre alterações no vírus
Em colaboração com Amílcar Tanuri, chefe do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, Santana pesquisa se alguma das linhagens do coronavírus em circulação no Brasil sofreu uma alteração que a teria deixado mais contagiosa, porém, menos agressiva.
Santana é um dos autores do maior sequenciamento de linhagens de Sars-CoV-2 realizado no país, apresentado mês passado. Mas o genoma é só parte do quebra-cabeça que ele e outros cientistas montam para desvendar a dinâmica da pandemia. No caso da Covid-19, quebra-cabeça não é só clichê, é realidade.
E é para montar esse quebra-cabeças e entender a progressão da pandemia no Brasil que os cientistas investigam três perspectivas interligadas.
A primeira é o vírus propriamente dito, o que inclui estudos de genoma, variações de linhagens, por exemplo. Mas também é preciso investigar sua interação com os seres humanos, fatores como suscetibilidades individuais e características dos diferentes quadros da doença. Por fim, mas não menos importante, há os aspectos ambientais, como diferentes condições demográficas, socioeconômicas e estrutura do sistema de saúde.
Um dos estudos em curso na UFMG, em parceria com Ana Teresa Vasconcelos, do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), busca justamente desenvolver programas de inteligência artificial para identificar padrões associados à gravidade da Covid-19. Isso será feito com base em informações sobre o Sars-CoV-2, pacientes e aspectos ambientais.
Renato Santana observa que a forma como o coronavírus tem se comportado no Brasil é surpreendente. O vírus tem dado mostra de se propagar com ferocidade, explodir em casos e depois perder força, sem deixar de provocar doença.
Isso foi visto em cidades como Rio de Janeiro e Manaus, por exemplo. Porém, o coronavírus continua a circular e os cientistas não acreditam que existem motivos para pensar que ele vá desaparecer.
Existem muitos mistérios ainda, mas Santana diz que é fato que boa parte das mortes poderia ter sido evitada, se as pessoas tivessem sido atendidas antes do agravamento dos sintomas. Ele ressalta ainda que a mortalidade por Covid-19 está associada a comorbidades (idade avançada e/ou doenças preexistentes) e ao acesso a tratamento. Entre as comorbidades estão diabetes, doença cardiovascular e obesidade.
— É muito difícil encontrar um paciente grave e mais ainda alguém que morreu e não tivesse alguma comorbidade — frisa ele.
Além disso, a Covid-19 é uma doença que pode se agravar muito em algumas circunstâncias. Entre elas podem estar desde fatores conhecidos, como as comorbidades, quanto ainda variabilidade genéticas ainda não identificadas. _ O vírus causa danos diretos ao organismo de algumas pessoas e se multiplica silenciosamente em outras. Procuramos descobrir como e por que faz isso — diz o cientista.