Aluna negra sem coque é impedida de entrar em escola militar na Bahia
Polícia e Ministério Público apuram suposto caso de racismo de funcionário
A Polícia Civil da Bahia investiga um suposto caso de racismo contra uma menina de 13 anos, estudante de uma escola militar na região metropolitana de Salvador. Ela foi impedida de entrar na unidade sob alegação de estar sem rede para penteados femininos (o que é obrigatório) e com o cabelo preso de uma forma que o deixava mais volumoso. O episódio ocorreu em 21 de março.
O Ministério Público da Bahia afirma ter instaurado dois procedimentos administrativos para apurar o caso.
A garota estuda o 8º ano no colégio municipal Doutor João Paim, em São Sebastião do Passé. Desde 2018, 118 escolas municipais aderiram ao modelo de educação da Polícia Militar na Bahia.
Segundo a mãe, a menina sempre teve orgulho da identidade negra até ser barrada pelo instrutor, um policial militar reformado, que argumentou que ela estava sem parte do fardamento obrigatório.
O caso foi criticado nas redes sociais pela mãe da garota. Ela diz que, além do constrangimento na frente dos demais estudantes, a filha foi vítima de racismo quando ouviu do funcionário comentários sobre os cabelos dela.
Após a exposição pública da adolescente, diz a mãe, a filha tentou diminuir o volume do cabelo com o uso de um creme para pentear. Mesmo assim, voltou a ter o acesso à escola negado pelo instrutor, que também é negro.
Segundo a mãe, a filha se sentiu humilhada com o caso e chegou a tentar se matricular em outra unidade de ensino. Mas a mãe não quer que isso aconteça, pois gosta da doutrina militar e quer que a filha continue estudando no local.
Por meio de nota, a PM baiana disse que a Prefeitura de São Sebastião do Passé assinou um termo de cooperação técnica com a instituição, em 2018, para difundir o sistema de ensino da rede CPM (Colégio da Polícia Militar), mas que a unidade não é da corporação.
Com a adesão, ainda segundo o texto, o colégio passou a ter uma direção compartilhada entre o diretor escolar, encarregado das questões administrativas e pedagógicas, e o diretor disciplinar, que é um policial militar da reserva responsável pela parte disciplinar dos alunos.
A PM afirmou que repudia qualquer tipo de comportamento racista ou discriminatório e que, ao tomar conhecimento do ocorrido com a estudante, se colocou à disposição da família da jovem, que foi ouvida na unidade responsável pelo policiamento no município.
Também por meio de nota, a prefeitura respondeu que, antes do começo de cada ano letivo, pais, responsáveis e estudantes são orientados sobre as normas disciplinares da instituição.
O comunicado diz que a escola segue o regimento padrão do ensino militar para todas as escolas conveniadas no estado da Bahia, que inclui regras disciplinares e normas sobre vestimentas, penteados, cortes de cabelo, fardamento, uso de calçados e outros itens.
Segundo o texto, a estudante foi orientada por três dias consecutivos sobre o penteado e lhe foi dado um prazo para que os ajustes fossem realizados. A família nega que isso tenha ocorrido.
Para o advogado Marcos Alan Hora, que representa a família, houve crime de racismo na conduta do instrutor, bem como há no próprio regimento militar, por violar o artigo sexto da lei 7.716/89, que define os crimes em razão de preconceito de raça ou de cor.
Hora ressalta, ainda, que há um agravante por se tratar de um crime praticado contra uma menor de 18 anos. “Vamos ajuizar uma ação cível, por danos morais, contra prefeitura e estado, além de buscar a responsabilização penal dos autores”, afirma.
Entre os procedimentos instaurados pela Promotoria baiana, um é para verificar a regularidade do funcionamento do colégio e se houve violação aos direitos humanos e o outro, na área criminal, para apurar a suposta prática de racismo.