Alunos negros são minoria em escolas privadas de São Paulo
Em distritos mais ricos da cidade, a desigualdade no acesso a colégios particulares é ainda maior
Apenas um em cada dez alunos de escolas privadas na cidade de São Paulo é negro.
O desequilíbrio ocorre mesmo em distritos onde a fatia de estudantes pretos e pardos é alta. No Itaim Paulista, por exemplo, crianças e jovens negros somam 49% dos estudantes, mas são apenas 24% dos alunos das instituições particulares locais.
Os cálculos foram feitos pela Folha com base no Censo Escolar de 2019 e consideram apenas as informações de estudantes cuja cor da pele foi informada pelas instituições de ensino. Foram excluídos da amostra estabelecimentos privados conveniados ao governo.
Nesse recorte, 35,7% dos estudantes da capital paulista são negros. Mas a distribuição de alunos pelo tipo de escola está muito longe de espelhar a composição racial da cidade.
Em distritos mais ricos, a desigualdade no acesso a instituições privadas de ensino é, particularmente, marcante.
Crianças e jovens negros são 11,9% dos estudantes de Pinheiros, quase o quíntuplo da parcela de 2,5% que representam entre os alunos de escolas particulares da região.
Em Moema, o desequilíbrio é parecido: os pretos e pardos são 9,1% da população estudantil local, mas somente 2,1% dos que frequentam estabelecimentos privados.
Esses números revelam que não são apenas os obstáculos geográficos que reduzem as chances de os alunos frequentarem escolas privadas.
Dentro de um mesmo bairro, outras barreiras —como o nível de renda familiar— segregam crianças e jovens estudantes de acordo com a sua cor de pele.
A exclusão dos negros resultante dessa separação é um importante fator por trás da perpetuação da iniquidade de oportunidades que prejudica a população negra no país.
A qualidade do ensino em escolas privadas brasileiras supera, em média, a de escolas públicas.
Algumas escolas dos distritos de São Paulo onde há grande disparidade entre a fatia de estudantes negros em estabelecimentos particulares e seu peso populacional estão entre as melhores do país.
São os casos de Objetivo, Móbile, Santa Cruz, Bandeirantes e Dante Alighieri que figuram entre os primeiros colocados do Enem no estado de São Paulo e têm de 0,3% a, no máximo, 6% de alunos negros entre os estudantes de suas unidades.
Esse quadro impulsiona o movimento antirracista liderado por famílias de alunos dessas e de outras escolas desde meados deste ano.
Pais e mães de, aproximadamente, 60 instituições de ensino particular participam do grupo.
Em média, essas escolas têm 3,5% de alunos negros, contra 12% no universo total de escolas privadas de São Paulo.
Uma das demandas do coletivo é a maior diversidade racial entre os alunos.
O pedido é considerado polêmico por três motivos.
Um deles é o custo. O outro é o temor de que o debate desvie atenção da necessidade de melhorar a qualidade do ensino público —que detém 64% das matrículas da educação básica na capital paulista. Por fim, há receio em relação ao impacto psicológico que jovens bolsistas negros podem sentir em um ambiente social e racial distante do seu.
Ao longo dos últimos dois meses, a reportagem procurou 22 escolas cujas famílias participam do movimento “Escolas Antirracistas”.
Uma das questões enviadas às instituições era sobre possíveis medidas para ampliar a inclusão de alunos negros.
Oito delas —Concept, St. Nicholas, Dante Alighieri, Mackenzie, Paulo de Tarso, Benjamin Constant, Miguel de Cervantes e Lourenço Castanho— não responderam a nenhuma pergunta.
Em uma nota, a Móbile disse estar “organizando a criação de um fundo cujo objetivo é o de aumentar a oferta de bolsas de estudo”, mas não especificou se a cor da pele dos beneficiados será um dos critérios considerados, nem quis detalhar o tema.
Quatro instituições —Vera Cruz, Avenues, Gracinha e Equipe— falaram sobre planos para bolsas com recorte racial.
Entre elas, a mais avançada é o Vera, que, a partir de 2021, concederá 18 bolsas por ano para alunos negros e indígenas de baixa renda do último ano do ensino infantil. Lançado no fim de outubro, o programa já tem 160 doadores cadastrados, que arcarão com metade dos custos das bolsas no próximo ano.
A Avenues informou que também terá bolsas com critério racial a partir do próximo ano, mas não mencionou detalhes.
“Estamos aprimorando nosso programa de assistência financeira, que já oferece bolsas parciais e integrais, para aumentar a diversidade racial de forma intencional”, disse a escola em nota enviada à reportagem.
Os diretores do Gracinha e do Equipe disseram que também estudam bolsas com recorte racial, mas ressaltaram que não há um projeto concreto ainda.
“Inegavelmente, abrir espaço para a diversidade aqui dentro é super importante, até para fortalecer os bolsistas que já temos”, diz Wagner Borja, diretor do Gracinha.
Mantida por uma entidade filantrópica, o Gracinha possui cerca de 10% de alunos bolsistas. Mas, atualmente, os benefícios são concedidos a filhos de professores e funcionários ou com base em critérios socioeconômicos.
“Não, casualmente, muitos dos nossos bolsistas são negros. Mas, ao usar o critério social, acabamos escamoteando a questão racial”, diz Borja.
Segundo ele, a formação da comissão antirracismo entre pais e professores fez o Gracinha perceber a importância de colocar foco no critério específico da cor da pele dos alunos.
Mas Borja ressalta que a concessão de bolsas não é suficiente para “combater o racismo estrutural na sociedade”.
“Acho importante uma maior diversidade étnica dentro da escola. Mas o trabalho de levar essa discussão para a comunidade e trabalhar em conjunto com a escola pública aqui da frente é muito mais importante”, afirma.
O Itaim Bibi, onde o Gracinha está localizado, é um dos distritos de São Paulo onde há a maior exclusão de alunos negros de escolas privadas. Embora crianças e jovens pretos e pardos sejam 21,1% dos estudantes da região, eles representam apenas 3,1% dos alunos de escolas privadas.
A opinião de Borja é compartilhada por Luciana Fevorini, diretora do Equipe:
“Se a gente conseguir realizar ações com outras instituições educacionais, a prática de uma educação antirracista terá muito mais beneficiados do que eu consigo atingir trazendo bolsistas para o Equipe”.
Ela cita como exemplo a possibilidade da formação de grupos de estudos entre alunos de escolas privadas e públicas.
Embora o Equipe avalie a concessão de bolsas com o critério racial, Luciana ressalta que o perfil de renda das famílias da escola não permitiria um formato como o do Vera Cruz, em que muitos pais têm se tornado doadores.
“Estamos tentando formatar algo, mas com apoio de fora. Muitas das nossas famílias são formadas por profissionais liberais que pagam a escola com dificuldade”, diz Fevorini.
Tanto as escolas quanto os pais do movimento antirracismo também se preocupam com o possível impacto que a entrada repentina em um ambiente majoritariamente branco e socialmente diverso pode ter sobre alunos negros.
O estudante Lucas Rodrigues, 18, conta ter sentido medo de sofrer discriminação racial quando ingressou no Bandeirantes, como beneficiário do Ismart, programa que concede bolsas em escolas privadas a alunos de baixa renda com bom desempenho acadêmico.
“Fiz amizades com vários alunos pagantes e nunca senti preconceito da parte deles por ser negro”, diz ele.
Atualmente, aluno de Administração de Empresas na FGV, Rodrigues conta que há um choque de trajetórias de vida quando alunos de baixa e alta renda passam a conviver.
“Mas isso é positivo. Descobrimos que todos vivemos em bolhas e aprendemos a desfazer nossos preconceitos”, afirma.
Mariana Monteiro, diretora executiva do Ismart, vê como positivo o movimento de escolas privadas para criar ou expandir sua diversidade racial, mas alerta que “não adianta dar uma bolsa sem preparar o ambiente para que eles sejam bem acolhidos e tenham apoio psicológico”.
“Ele sempre se sentirá diferente e, talvez, os demais nem percebam isso”, afirma ela.