Alvo de interferência nos últimos anos, PF tem expectativas com Lula
Polícia Federal se sente desgastadas pelas tentativas de interferência por parte do governo Bolsonaro
Alvo de uma interferência política sem precedentes durante o governo Bolsonaro, a Polícia Federal vive uma mistura de desconfiança e expectativa com a eleição de Lula. A avaliação feita por dez policiais ouvidos pela coluna, entre delegados e agentes, é que prevalece a percepção de que o órgão deve retomar a atuação técnica e distante dos interesses palacianos. Por outro lado, há o receio de que, a “porta arrombada por Bolsonaro não volte a ser fechada”.
A leitura feita à coluna é que Lula teria condições de trazer de volta à PF o caráter institucional que se perdeu e fazer com que o órgão volte a atuar como “polícia de estado e não de governo”. Para eles, o petista sinaliza ter mais respeito à liturgia do cargo e, como presidente, deve ter uma relação com a corporação “mais estadista e menos pessoal” que o antecessor.
— Bolsonaro mostrou que não há como resistir à caneta. Se o presidente quiser fazer, faz. Espero que a não reeleição dele tenha sido um recado de que, se o próximo presidente quiser agir dessa maneira, poderá agir, mas terá um preço. Tomara que haja uma mudança, embora a gente saiba que, com a porta arrombada, é difícil colocar o cadeado — resumiu um delegado.
Os policiais afirmam que a instituição viveu “momentos assustadores” sob Bolsonaro e terá que passar por um “detox dos últimos quatro anos”. O episódio descrito como o “ápice do absurdo” aconteceu na reta final da eleição, quando policiais federais foram recebidos com tiros de fuzil e granadas pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson.
Aliado de Bolsonaro, ele foi alvo de uma ordem de prisão do ministro Alexandre de Moraes. A cena de um agente da PF que atuou como negociador com Jefferson também despertou críticas internas pelo tom “excessivamente amistoso com o ex-deputado”, que hoje responde por tentativa de homicídio de quatro policiais.
É consenso entre delegados e agentes que o tratamento que Lula dará a PF ficará claro quando ele definir quem serão o ministro da Justiça e o diretor-geral do órgão. Hoje o nome mais forte para a pasta à qual a PF será subordinada — já que existe a chance de recriar o Ministério da Segurança Pública — é o do ex-governador do Maranhão e senador eleito Flávio Dino (PSB-MA).
Em entrevista ao jornal O Globo, Dino disse que o governo eleito não quer “uma polícia ideologizada nem para direita ou para esquerda” e fez um aceno: ”não vamos trocar um aparelhamento por outro”. A afirmação trouxe alívio para boa parte da corporação, que vê o nome do senador eleito com bons olhos.
Para o cargo de diretor-geral, o favorito hoje é o delegado Andrei Passos, que chefiou a segurança de Lula na campanha. Delegados ouvidos pela coluna, entre eles dois ex-diretores-gerais da PF, afirmam que veem o colega com “condições de comandar a corporação e lidar com as pressões inerentes ao cargo”. Apontam que Passos tem “a cultura interna da instituição” e experiência em cargos executivos.
Como a indicação para o posto é política, ou seja, feita pelo presidente da República, o nome de Passos também é visto como o mais forte na bolsa de apostas da PF, já que ele ocupou cargos importantes na gestão de Dilma e tem trânsito junto à cúpula petista. Após coordenar a segurança da então candidata em sua campanha, em 2010, o delegado foi adido do órgão em Madri e secretário de Segurança para Grandes Eventos, como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Há 20 anos na PF, Passos já ocupou postos como o de coordenador-geral de Polícia Fazendária e diretor-substituto de Combate ao Crime Organizado.
— Dentro desse contexto de indicação política, a PF sempre fica na situação de ter um diretor-geral isolado sem força junto ao governo ou um com força, mas muito próximo ao ponto de não conseguir administrar a pressão. Precisamos do meio termo — avaliou um colega.