INCÊNDIOS

Animais queimados no Pantanal são tratados com pele de tilápia; veja

A pele da tilápia tem uma camada muito grande de colágeno, que é importante no processo de cicatrização da queimadura

Parece uma cena futurista: um tamanduá-bandeira, com seus grossos pelos marrons, estende as patas estampadas com… pele de tilápia.

O híbrido, no entanto, é de 2020. No ano em que o Pantanal ardeu em chamas e teve diversos de seus animais feridos e queimados, pesquisadores e veterinários se uniram para ajudar esses bichos por meio de uma técnica inovadora e totalmente brasileira.

Até agora, um filhote de veado-catingueiro, duas antas adultas, uma anta filhote e um tamanduá-bandeira adulto já receberam a pele de tilápia. E uma cobra sucuri e um tuiuiú, a ave-símbolo do Pantanal, estão na fila para o tratamento.

A técnica, desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ), funciona assim: os pesquisadores recebem peles do peixe de água doce – que normalmente são descartadas pela indústria – de uma piscicultura. As peles são então desidratadas e esterilizadas, e ficam armazenadas em temperatura ambiente.

Depois, são aplicadas em pessoas ou animais com ferimentos de queimadura, funcionando como um curativo para a região queimada e ajudando sua cicatrização.

“A pele da tilápia tem uma camada muito grande de colágeno, que é importante no processo de cicatrização da queimadura”, explica o biólogo Felipe Rocha, coordenador da Missão Ajuda Pantanal e pesquisador do projeto Pele de Tilápia.

Rocha viajou a Cuiabá, capital matogrossense, ao lado da veterinária Behatriz Odebrecht e do enfermeiro Silva Júnior, especialista em anexo e aplicação do curativo de pele de tilápia – todos do projeto Pele de Tilápia.

Quando viram as trágicas imagens de animais afetados pelo fogo no Pantanal, os pesquisadores da UFC entraram em contato com a ONG Ampara, que dá apoio à operação de resgate e reabilitação dos animais no Pantanal.

(Foto: Felipe Rocha/Divulgação)

A ONG aceitou a ajuda, e colocou o grupo em contato com o Hospital Veterinário da Universidade Federal do Mato Grosso, em Cuiabá, onde a aplicação das peles de tilápia seria feita. Ali, o pessoal do Ceará começou a treinar, nesta semana, a equipe do Mato Grosso, explicando como se faz a aplicação do produto na pele dos bichos.

O grupo levou 130 curativos biológicos da pele de tilápia, o que, segundo seus cálculos, deve servir para cerca de 40 animais feridos.

No Brasil, é a primeira vez que essa técnica é usada em animais silvestres. O grupo da UFC já havia testado a pele em cavalos. Também ensinou veterinários da Universidade Davis, na Califórnia, a aplicar a pele em ursos que foram machucados nos incêndios de 2018 no Estado americano.

Tratamento dos animais

A imagem futurista do tamanduá-tilápia é passageira. Logo, a parte clara, que é o colágeno, ficará incorporado na ferida. A parte escura descascará, como se fosse a casca de uma ferida, explica Rocha. E a pele do tamanduá e dos outros animais voltará a ter sua aparência original.

O pesquisador explica como é feito o tratamento: “Você limpa a ferida, coloca a pele de tilápia e fecha com gaze e atadura por cima. A pele da tilápia adere à queimadura e deve ficar em contato de 10 a 15 dias na pele do animal sem troca curativa”, diz.

O processo convencional seria aplicar pomada de sulfadiazina de prata, que um cicatrizante tópico na terapia de queimaduras, com trocas diárias de curativo. É preciso sedar os animais selvagens toda vez para fazer isso.

“Se a cicatrização do animal demora de 15 a 20 dias, você tem que fazer 15 a 20 curativos durante todo o processo. Com a pele de tilápia, você reduz o custo de fazer essas trocas diárias, reduz a dor do animal e reduz a carga de trabalho da equipe”, diz Rocha.

Além disso, destaca ele, o animal ou a pessoa queimada perde muito líquido com a queimadura. A pele da tilápia barra esse processo. Sua parte escura é como se fosse uma película impermeável que impede a perda de líquido. E ainda cria uma barreira para que microorganismos não proliferem na ferida.

Com isso, a cicatrização acelera porque não se manipula tanto a ferida – além da grande ajuda do colágeno. Para Rocha, é “emocionante” ver os animais se recuperando.

O grupo começou a aplicação das peles de tilápia nos animais na terça-feira (06/10). O primeiro animal a receber os curativos foi um filhote de veado-catingueiro. Suas quatro patas estavam queimadas, e os curativos foram colocados ali.

Depois, foi a vez de duas antas grandes adultas e uma anta filhote. Uma das antas, diz Rocha, estava muito mal, sem se alimentar, apática, sem ir para a água. Sua parte traseira estava bastante afetada. “Aplicamos nessa anta, e no outro dia ela estava dentro da água. Depois saiu correndo e foi para a água de novo. Não vimos o processo de cicatrização, mas vimos que o animal já reagiu em termos de comportamento”, conta. “A pele de tilápia diminui a dor do paciente.”

Depois, um tamanduá-bandeira recebeu a pele de tilápia em suas patas.

“Nas quatro patas do veado-catingueira, não usamos nem meia pele de tilápia”, diz Rocha. Já em uma das antas, que tinham uma lesão grande, foram usadas 15 peles.

A cobra sucuri, que deverá receber a pele de tilápia logo, está bastante queimada, diz ele, com exposição muscular, e por isso a aplicação deverá ser um grande desafio. “Mas acreditamos que vai funcionar.” No tuiuiú, é a asa que está queimada.

Para Rocha, ajudar os animais que estão sofrendo “é uma enorme satisfação”. “Ficamos felizes e emocionados por ajudar nesse momento triste do país”, afirma.