ANS deve obrigar planos de saúde a cobrir teste rápido de Covid
Após 7 meses de debates e resistência das empresas, medida foi aprovada por comissão e deve ser aceita pela agência
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) deve aprovar nesta quarta-feira (19) a inclusão de testes rápidos de antígenos para Covid no rol de procedimentos obrigatórios dos planos de saúde.
A obrigatoriedade de que as operadoras cubram esse tipo de exame vem sendo discutida desde junho, com resistência por parte das operadoras e críticas à agência pela demora em incorporar a tecnologia.
Atualmente, os planos de saúde são obrigados a cobrir apenas o teste do tipo RT-PCR, cujo resultado demora em média 48 horas para sair, e o de anticorpos, que revela se a pessoa esteve doente no passado —e só foi incluído no rol após decisão judicial. Já os exames de antígeno dão resultados em 15 minutos e, por isso, são considerados fundamentais para conter a disseminação do coronavírus.
A comissão antecipou em um dia a discussão sobre os testes rápidos a pedido da própria diretoria da ANS, que vem sendo alvo de pressão por conta do surto da variante ômicron. “Existe uma urgência em se discutir o assunto”, disse ontem a gerente-geral de Regulação Assistencial da ANS e coordenadora da Cosaúde, Ana Cristina Martins.
Falta ainda definir as regras de uso do serviço, a chamada DUT (Diretriz de Utilização), que será discutida ao longo desta quarta pela área técnica da ANS e apresentada durante a reunião da diretoria.
Mas, conforme o que foi acordado ontem na comissão, os testes rápidos deverão ser cobertos pelas operadoras apenas para pacientes com sintomas entre o 1º e o 7º dia e que tenham pedido médico (como acontece hoje para o exame RT-PCR, padrão-ouro de diagnóstico do coronavírus).
Apesar de comemorada, a decisão da comissão chega com atraso, na avaliação do vice-presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), Alvaro Pulchinelli. “Essa reunião era para ter acontecido no mês passado, e hoje estamos no meio da tempestade da ômicron. A gente está sempre discutindo um passo atrás da pandemia”, disse.
A advogada Ana Navarrete, do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), também critica os sete meses de análise. Para ela, uma das explicações para a morosidade foi a pressão das operadoras para não incorporar novas tecnologias.
O presidente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), Renato Casarotti, diz que os planos não são contra a incorporação, mas que é preciso criar regras para não serem feitos exames desnecessários. Ele diz ainda que a demora na decisão da Cosaúde não prejudicou os clientes nem gerou restrição de acesso. “Ninguém deixou de ser testado”, diz.
A reunião desta terça foi a primeira da Cosaúde, formada por quadros técnicos da agência, associações empresariais e membros da sociedade civil, que assessora e faz recomendações à ANS.
A comissão foi criada em novembro em meio a novas medidas para acelerar os trabalhos de inclusão de novos procedimentos. A lista de cobertura obrigatória era atualizada apenas a cada dois anos desde 1998.
Com a pandemia e a pressão pela incorporação de novos tratamentos e serviços, uma nova resolução da agência em julho definiu sua atualização a cada seis meses.
Procurada, a ANS disse que iniciou em junho, de forma extraordinária, a discussão sobre a inclusão do teste rápido na cobertura dos planos e que desde então vem seguindo o rito padrão de avaliação. “Neste período, considerou-se o decréscimo no número de casos, a ampliação da cobertura vacinal para as diferentes faixas etárias, além de encontros com representantes do setor de saúde suplementar para debater a questão”, diz a agência, em nota.
Segundo a ANS, o cenário de incertezas da pandemia exigiu novas estratégias para levantar informações de forma mais rápida sobre as novas tecnologias e seus impactos financeiros na saúde suplementar, em caso de inclusão no rol (veja o posicionamento completo).
Resistência das operadoras
A inclusão do teste de antígeno enfrenta resistência das operadoras desde o início dos debates. As empresas dizem temer a realização irracional e exagerada de exames e por isso pedem restrições na oferta. “O problema é a pessoa fazer dois, três, quatro testes na mesma semana. Do ponto de vista clínico isso não faz sentido”, diz Casarotti, da Abramge.
“Nós não somos favoráveis que esse exame seja incorporado exatamente por entendermos que ele será um teste adicional e não substitutivo”, disse a representante da Fenasaúde, outra associação do setor, durante a primeira reunião que debateu o tema, em julho. O temor das empresas é o de que pacientes realizem um teste de antígeno e, em caso de resultado negativo, façam também um teste RT-PCR na mesma semana de sintomas.
A Fenasaúde mudou de posição nesta terça e aprovou a inclusão do exame no rol de procedimentos, mas endossou uma proposta apresentada pela Unimed do Brasil —corroborada por todas as associações de planos de saúde presentes no encontro— que restringe a oferta.
A empresa sugeriu que o teste de antígeno seja oferecido somente quando o RT-PCR estiver indisponível, proposta que recebeu críticas. “Não entendi por que a Unimed acha conveniente primeiro fazer o exame mais caro, em vez do teste mais em conta, com resultado mais rápido” disse a médica Norma Rubini, diretora científica da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai).
A proposta da Unimed não deve ser aceita pela ANS, conforme indicou a gerente-geral Ana Cristina Martins. “Não acho razoável, porque pode ser que em uma cidade tenha um exame e em outra tenha o outro”.
Os planos de saúde citam também a atual escassez dos testes para justificar regras mais rígidas de uso.
Outro ponto de discórdia no debate foi em relação ao intervalo entre cada teste. As associações dos planos defendem que o exame seja vetado até para pessoas com sintomas gripais quando elas receberam um resultado positivo nos 90 dias anteriores.
Para Rubini, da Asbai, trata-se de um prazo muito longo, pois as pessoas estão se reinfectando.
Todos concordaram que os planos de saúde não irão bancar os exames de pacientes assintomáticos nem daqueles que tiveram contato recente com pessoas que se infectaram.
O chamado rastreamento de contatos não é responsabilidade da saúde suplementar —deveria ser uma política pública liderada pelo Ministério da Saúde, mas enfrenta graves problemas de implementação. A Repórter Brasil revelou esta semana que a pasta falhou na aquisição desses testes e cancelou compra de 14 milhões de exames, o que prejudicou o plano de testagem em massa, previsto para iniciar em setembro, mas que nunca decolou.