VACINA

Anvisa cobra transparência de dados sobre CoronaVac e diz que decisão da suspensão de testes foi ‘técnica’

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou nesta terça-feira que a decisão de interromper…

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou nesta terça-feira que a decisão de interromper os testes clínicos da vacina contra a Covid-19 CoronaVac foi tomada porque as informações fornecidas à Anvisa foram “insuficientes e incompletas”.

— As informações veiculadas ontem foram consideradas, pela área técnica, insuficientes, incompletas, para que ontem fosse possível, de posse delas, continuar permitindo o desenvolvimento vacinal — disse o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barras Torres.

Na noite de ontem, a Anvisa informou que, devido a um evento adverso grave, os testes com o imunizante produzido pela empresa chinesa Sinovac Biotech, em parceria com o Instituto Butantan, seriam interrompidos no país. O GLOBO apurou que o evento grave informado na nota da Anvisa foi a morte de um voluntário. De acordo com boletim de ocorrência registrado em São Paulo, a morte deu-se em decorrência de um suicídio.

A diretora da Anvisa responsável pela área de vacinas, Alessandra Soares, afirmou nesta terça que a decisão de suspender os testes foi tomada por um comitê de especialistas, formado por servidores da agência, de caráter multidisciplinar, com médicos, farmacêuticos, entre outros profissionais, devido à falta de informações detalhadas sobre as intercorrências com a CoronaVac.

— Não houve nenhum relatório detalhado sobre o efeito adverso grave ocorrido com a vacina Sinovac. Houve uma notificação, um formulário padrão, que é veiculado nas outras autoridades do mundo. Isso é padrão — explicou.

Na mesma linha, o diretor-presidente da Anvisa afirmou que a agência foi notificada do evento ontem e que a Gerência-Geral de Medicamentos analisou as informações repassadas e decidiu interromper temporariamente os testes, por questões técnicas.

— Digo isso para pontuar que a decisão é tecnica, ela não depende de aval nem da Dra. Alessandra e nem meu. É uma decisão técnica — afirmou.

Barra ressaltou também que a agência não é “parceira de nenhum desenvolvedor, de nenhum laboratório, de nenhum instituto”.

— A imagem que coloco para os senhores é a imagem do árbitro, do juiz, aquele que emite seu juizo de valor. Tomaremos decisões no dia que elas tiverem que ser tomadas — afirmou.

Questionado se a Anvisa foi informada sobre a causa da morte do voluntário, Barra afirmou que “não havia essa informação” entre as que a agência recebeu ontem.

— Informação não é informação se ela não vem pelo canal correto. Não estamos diante de brincadeira de criança, existem canais pré-estabelecidos. Podemos ter maiores autoridades mundiais dizendo isso ou aquilo, se não são integrantes do comitê independente, essa indagação não tem valor — disse.

— Gostaria que isso ficasse muito claro: diante de um efeito adverso grave não esperado, suspende o estudo clínico. Diante de um efeito adverso grave esperado, segue com o estudo — explicou a diretora Alessandra Bastos.

Gustavo Mendes, gerente-geral de medicamentos da Anvisa, afirmou que o que está suspenso é a vacinação de novos participantes, mas as demais atividades continuam permitidas, como o acompanhamento dos voluntários, a compilação de resultados e o desenvolvimento dos imunibiológicos.

— A gente interrompeu apenas a vacinação. Essa interrupção se refere à impossibilidade de novos participantes serem vacinados.

Desentendimento com Butantan

O diretor-presidente da Anvisa rebateu a informação da direção do Instituto Butantan de que teria ficado sabendo da suspensão dos estudos pela imprensa. Segundo ele, a agência oficiou o órgão de pesquisa antes de comunicar à imprensa. O ofício foi enviado ao Butantan às 20h47 e a nota pública divulgada às 21h25, 38 minutos depois.

— Não é razoável dizer que se tomou conhecimento pela imprensa, se assim o foi, deixou de verificar uma documentação oficial enviada. Não há que se falar em forma errada — disse.

Barra também criticou, sem citar nomes, o fato de Dimas Covas, presidente do Butantan, ter falado publicamente que não há uma relação entre o evento adverso e a vacina. Ele citou o caso do imunizante de Oxford, que também sofreu paralisação devido a intercorrências com voluntário, e defendeu que cabe ao “comitê isento” das pesquisas avaliar os episódios.

— É interessante, uma instituição com 900 anos (referindo-se a Oxford), e quem falou foi o comitê independente internacional. Por quê? Porque o desenvolvedor é parte interessada. Não é, no protocolo vacinal, competência do desenvolvedor ser a palavra final no estabelecimento ou na refutação do nexo causal.

Mais cedo, o diretor do Butantan, Dimas Covas, disse que a decisão de interromper os testes clínicos causou indignação. O Butantan diz que comunicou a Anvisa sobre efeito adverso no dia 6 de novembro. No entanto, a morte do voluntário ocorreu em 29 de outubro em decorrência de suicídio, de acordo com o boletim de ocorrência registrado em São Paulo. Segundo autoridades de saúde, a data da ocorrência do efeito adverso foi quase um mês após a vacinação.

Ataque hacker atrasou informações

De acordo com o gerente-geral de medicamentos, o ataque hacker que órgãos públicos sofreram na semana passada atrasou a entrega das informações sobre a CoronaVac à Anvisa.

— Esse evento foi conhecido por todos na semana passada, foi uma situação de hackeamento e a gente trouxe o gerente-geral de tecnologia da informação para explicar o motivo pelo qual no dia 6 o Instituto Butantan notificou, mas nós só tivemos conhecimento dessa notificação no dia 9/11 — disse.

Segundo a agência, o serviço responsável pela notificação de eventos adversos foi suspenso e o plano de contingência foi acionado, após o ataque. A Anvisa afirmou, no entanto, que não foi alvo de nenhum ataque.

Bolsonaro comenta

Nesta terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro ironizou a decisão da Anvisa. Ele frisou que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), “queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la”, ressaltou que é contra a obrigatoriedade da vacinação e disse que é “mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

Em resposta à declaração do presidente, o PSDB, partido do qual Doria faz parte, afirmou em rede social que “a atitude do presidente é mais uma prova de que coloca suas pretensões políticas acima de todos e realmente não se importa com a vida dos brasileiros. Cada vez mais ele parece estar do lado do vírus”.

O presidente vem travando nas últimas semanas uma disputa política com João Doria em relação à vacina. Inicialmente, após o governador afirmar que a imunização seria obrigatória em São Paulo, Bolsonaro disse que essa medida só poderia ser tomada com a anuência do governo federal o que, segundo ele, não vai ocorrer.

Depois, após o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciar a assinatura de um protocolo de intenções para a compra de 46 milhões de doses da vacina da Sinovac, Bolsonaro o desautorizou publicamente e disse que o Brasil não iria comprar a “vacina chinesa de João Doria”.