Anvisa pedirá a Bolsonaro que vete prazo de 5 dias para aprovação de vacinas fixado em MP
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) prepara um documento para enviar à Casa Civil…
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) prepara um documento para enviar à Casa Civil solicitando veto do presidente Jair Bolsonaro ao trecho da Medida Provisória aprovada na quinta-feira no Senado, que fixa prazo de cinco dias para que a Anvisa aprove vacinas que já tenham obtido aval de agências no exterior. Além disso, a Anvisa também considera mover uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a medida aprovada no Congresso.
Em entrevista ao GLOBO, o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra, afirmou que o texto aprovado pelo Senado oferece risco à saúde pública e que o prazo estabelecido não é viável para análise segura de imunizantes.
Para Barra, a Anvisa foi alvo de uma “ameaça” por parte do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), que, segundo ele, acabou se concretizando com a aprovação da MP.
O médico critica o prazo imposto pela medida e diz que o período é fruto de uma “matemática de padaria”, que não tem respaldo na literatura internacional.
A Anvisa pretende pleitear vetos à MP junto ao presidente? Que medidas a Anvisa estuda para alterar essa aprovação?
Estive com o presidente ontem(quinta-feira) na live e ele chegou a citar a possibilidade de veto, derrubada de veto, que é algo que ocorre com qualquer medida provisória. A Procuradoria Federal junto à Anvisa e a Gerência Geral de Medicamentos têm feito uma troca de informações para redação de um arcabouço de motivos para enviarmos à Casa Civil, porque esse é o canal. A Casa Civil recebe essa compilação de argumentos para assessorar o senhor presidente diante de uma decisão de veto, seja ele mais restrito ou mais amplos. Isso está sendo feito hoje e pretendemos enviar hoje ainda. Também já tivemos assessoramento da Procuradoria em vista de uma possível ação junto ao STF. O momento não é agora, existe um momento jurídico específico, seria mais para frente um pouco. É uma possibilidade extrema, mas que não está em absoluto descartada, porque o que está em jogo é preservar a saúde do cidadão, no entendimento de quem tem o dever de tratar da saúde do cidadão. São vários atores que têm esse dever e a Anvisa é um deles. Temos que ir até o último recurso possível.
O senhor está otimista em relação a um possível veto por parte do presidente?
Estou muito tranquilo. Sou um homem temente a Deus. Acredito firmemente que o melhor vai acontecer. Estamos acometidos por uma doença terrível, que já matou muita gente, então o esforço dos justos e dos competentes para resolver os problemas é a benção de Deus. Não estou confiante no veto ou na sanção, estou olhando lá na frente. Estou confiante de que dia após dias encontraremos soluções. Temos duas vacinas emergenciais sendo usadas, a Astrazeneca já protocolou o pedido de registro. A CoronaVac tem tudo para fazer isso. A Pfizer pode pedir emergencial a qualquer momento, a Janssen. A Sputnik apresentando documentos necessários poderá ser avaliada e aprovada. A União Química realizou uma reunião hoje com os técnicos, mas ainda não tenho informações. Estamos ansiosos para que tenha algum progresso documental para poder avançar e ter mais uma. Vai ser muito bom se tiver mais uma. A Covaxin anunciou isso, ainda não falou conosco, mas poderá também.
Na sua opinião, o que motivou a aprovação dessa medida no Congresso? Considera que foi motivada por lobby das empresas?
A questão de lobby em países como os Estados Unidos, por exemplo, inclusive é uma profissão. Então não há que se falar nada de ilícito. Se houve ou se não houve, eu não sei. Posso imaginar que tenha havido, porque o lobby é convencer alguém a ter o mesmo entendimento que você referente a uma determinada atividade. Eu nem tenho tempo a perder pensando nisso, o que interessa é que houve uma votação ontem e as lideranças aprovaram e para mim é isso que vale. Mas não concordamos com essa medida do jeito que está escrita.
O senhor considera que essa medida pode trazer algum risco à saúde pública?
Considero. A área técnica toda considera isso, os diretores também. A medida é impositiva. No seu artigo quinto ela diz que a Anvisa concederá autorização. Então ela só dá um caminho para nós, só podemos autorizar, então toda fase analítica deixa de existir. Ficamos apenas com uma fase mais cartorial que seria de oferecer uma chancela para determinado produto e não é isso. Os servidores concursados fizeram concurso para entre outras coisas analisar produtos e essa possibilidade de trabalho está sendo amputada com risco para a população. Aqui não há nenhum dono da verdade, mas não podemos fugir do nosso trabalho, está lá na atribuição da agência que identificar ameaças à saúde pública e proteger a saúde pública. Nós estamos identificando um momento delicado com essa medida provisória e, portanto, vamos agir até o final no sentido de torná-la adequada.
Esse prazo de cinco dias é viável?
Esse prazo de cinco dias não sabemos de onde veio. Ele consta da MP, mas toda literatura regulatória internacional não cita esse prazo. Temos conhecimento das maiores autoridades regulatórias mundiais e nenhuma delas cita esse prazo. Eu não sei de onde veio, mas sabemos que é um prazo muito curto. Nós fizemos dois processos em nove dias. Será que por uma matemática de padaria dá para fazer um processo em quatro dias e meio? Não sabemos. Se fosse uma matemática simples dava até para inferir isso, mas não é. São documentos densos, são 20 mil folhas de documentos sempre traduzidas para um inglês técnico, pesado e com tradução juramentada. Porque tem vida humana envolvida. Não é um brincadeira.
A Anvisa tem sido muito criticada por parlamentares, principalmente, por falta de agilidade. O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), foi um deles. Qual sua opinião sobre essas críticas?
Dizer que a agência não é rápida talvez as pessoas não estejam lendo. Todas as notícias foram veiculadas do quão rápida é a Anvisa, quando aprovou dois protocolos em nove dias. Será que a agência é lenta? Será que a agência precisa se nortear por agências que não têm toda a certificação que nós temos? Temos toda a certificação existente no mundo. Será que a agência não tem competência? Fica muito difícil sustentar cinco minutos de argumentação nesse sentido, porque cai. Desconhecemos os verdadeiros motivos. Dizer que é para ser mais rápido nos parece insustentável.
A Anvisa retirou a obrigatoriedade de estudos de fase 3 no Brasil para concessão de autorização emergencial de uso e estuda isentar vacinas da Covax Facility de registro… (interrompe)
São todas medidas visando acelerar ainda mais e desburocratizar, fica muito difícil saber o que nosso crítico deseja. Ele quer o que? Que sejamos rápidos ou lentos? Se somos rápidos, somos criticados. Se somos lentos, também. Gera uma certa confusão do que se quer realmente. Essas são medidas que facilitam o processo, mas sem abrir mão da segurança, porque no final é o nosso CPF, somos nós os responsáveis. Temos que agir sem perder a segurança. Essa questão de estudo clínico de fase 3, nós entendemos em outubro ou novembro, quando estávamos construindo o guia de uso emergencial, que foi um movimento inédito no Brasil e possivelmente na América do Sul. Precisávamos ter uma segurança para uma experiência que seria inédita no Brasil, então entendemos que estudo clínico de fase 3 no Brasil era essencial, fizemos e ao conceder uso emergencial nós adquirimos musculatura, aprendizado e o tempo passou. Chegamos ao mês de janeiro e entendemos que seria possível (retirar a obrigatoriedade) desde que o estudo de fase 3 fosse realizado em outro país que nos concedesse acesso transparente a todos os dados. Só que a medida provisória no seu artigo quinto supera tudo isso quando diz que a agência concederá autorização. Então não tem análise. Tudo isso perde o sentido.
Houve algum tipo de pressão para que a Anvisa retirasse obrigatoriedade do estudo clínico de fase 3?
Não teve pressão nenhuma. Ontem nós sofremos uma ameaça de manhã. O senhor líder do governo (na Câmara, deputado Ricardo Barros) nos ameaçou de enquadramento e cumpriu sua promessa no final do dia. O enquadramento veio sob a forma da Medida Provisória que cria realmente um quadrado de atuação, um limite. E nos dá uma única escolha que é a autorização. Pressões por mudar nosso regramento, não. Mas, ontem, teve uma ação concreta.
Como o senhor classifica a aprovação dessa medida pelo Senado?
A medida em si considero um risco à saúde da população. Mas a ação dos eminentes senadores tenho certeza que foi pautada no melhor objetivo, mas o produto final é uma ameaça.