Coronavírus

Apesar de gastos na pandemia, Goiás atinge melhor resultado fiscal do país

Levantamento do Tesouro Nacional mostra que estado registrou 8% de queda em despesas correntes

Governador do estado de Goiás, Ronaldo Caiado l 6.agos.2019 (Foto: José Cruz / Agência Brasil)

Mesmo com todos os gastos realizados para a redução do impacto da pandemia da Covid-19, Goiás foi o estado que mais reduziu despesas neste ano.

Relatório da Secretaria do Tesouro Nacional mostra que, de janeiro a junho, a queda nas despesas públicas dos goianos alcançou 8% em comparação ao mesmo período do ano passado.

Somente seis estados conseguiram reduzir suas despesas correntes. Goiás também está entre os que têm menor dependência das transferências da União que representam somente 18% do total das receitas.

O levantamento do Tesouro considera as informações fiscais consolidadas de cada ente federativo e contabiliza todos os Poderes, incluindo o Ministério Público e a Defensoria Pública.

O desempenho de Goiás é resultado da combinação de um decreto do governador Ronaldo Caiado (DEM), que instituiu o estado de calamidade pública e prioridades para o enfrentamento da pandemia, e da atuação de sua secretária da Economia, Cristiane Schmidt.

De viés liberal, como o ministro Paulo Guedes (Economia), a secretária foi conselheira do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) antes de aceitar o convite de Caiado.

No Cade, ela teve dificuldades em se articular politicamente com os demais conselheiros e quase sempre foi voto vencido. Couberam a ela casos complexos, como a compra da Bovespa com a Cetip, que fez surgir a B3, e a aquisição de uma fatia relevante da XP Investimentos pelo Itaú.

Hoje, Schmidt se diverte ao dizer ter feito um curso de pós-graduação com o governador.

“O Cade foi uma escola, mas Goiás tem sido uma pós-graduação”, disse Schmidt à Folha. “Precisa respeitar o ambiente político, avaliar qual o melhor momento para enviar um projeto para a Assembleia Legislativa e estudar como comunicar aquilo que você pretende fazer.”

Na esfera federal, a inabilidade de Guedes com o Congresso foi um dos fatores que levaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a delegar a articulação dos projetos da área econômica para um grupo de políticos comandados pelo Planalto.

O aprendizado político com Caiado permitiu que Schmidt conseguisse, por exemplo, negociar com os demais Poderes no estado um corte de 20% nas transferências obrigatórias para Judiciário e Legislativo (duodécimo) durante a pandemia, algo que permitiu uma folga de R$ 300 milhões.

“Assumimos um estado falido, com um déficit de R$ 4,2 bilhões, sem contar R$ 1,6 bilhão em salários atrasados”, disse.

“Havia 402 obras paralisadas, mais de 4.000 fornecedores com uma dívida de R$ 1,1 bilhão para receber pelos serviços prestados. Na saúde, os pagamentos estavam atrasados havia 14 meses. Até a merenda escolar e o transporte dos alunos, que são vinculativos, estavam pendentes.”

Hoje, tanto a folha de pagamento do estado quanto o crédito consignado estão em dia. A merenda e o transporte escolar também foram regularizados.

“Conseguimos ainda levar adiante um projeto de lei que prevê a privatização de estatais. A parte de geração e transmissão da Celg devem ser leiloadas, atraindo algo como R$ 1 bilhão”, disse.

Segundo parlamentares do estado, por questões políticas, a Saneagro, empresa de saneamento, não será privatizada. “Neste caso, vamos procurar um parceiro privado para adquirir 49% do capital”, disse Schmidt.

Segundo a secretária, estão na fila das privatizações a Iquego, estatal de medicamentos, a Metrobus e a Goiásgás.

Todos os arranjos realizados até então permitiram que, no terceiro bimestre deste ano, o estado registrasse um superávit orçamentário de R$ 871,63 milhões, revertendo o déficit do terceiro bimestre do ano passado, que foi de R$ 628,12 milhões.

Houve reformas em diversas frentes.

Desde que assumiu o posto, a secretária definiu que a primeira urgência seria a reforma da Previdência para conter o crescimento dos gastos com inativos. Os gastos com pessoal consomem 87% da receita líquida.

“Contratei o Paulo Tafner [economista especialista no assunto] para que elaborasse o nosso plano”, disse Schmidt. “Bati perna com ele ao meu lado junto aos Poderes no estado explicando o plano e detalhando a calamidade das contas públicas para mostrar que, sem essa reforma, o déficit de Goiás explodiria.”

A reforma foi aprovada e, com ela, o estado conseguiu conter gastos de R$ 8 bilhões em dez anos.

Sempre respaldada pelo governador, Schmidt abraçou a articulação política, ferramenta fundamental para o que chama de “economia política”. “Não tem economia sem política, as duas coisas são complementares.”

A secretária acabou angariando apoio das principais lideranças locais. A reforma da Previdência foi aprovada e demais projetos de lei, como o das privatizações, também tiveram aval da Assembleia.

A interlocução com a base de deputados e senadores do estado no Congresso também tornou-se intensa. “Não há semana que a gente não se fale. Me tornei até amiga de alguns deles”, disse.

No alvo da secretária estão diversos projetos de lei.

Além do Plano Mansueto, de socorro a estados endividados, e o da revisão da Lei Kandir, ambos com impacto sobre a situação fiscal do estado, a secretária tem especial atenção no projeto que prevê a revisão na política de incentivos fiscais à indústria automotiva no Nordeste.

“Se for tirar incentivo, que tire para todos. O Centro-Oeste ficou fora do projeto e falei para os parlamentares que isso vai matar a indústria goiana e trará um impacto político enorme.”

Sua meta é conseguir melhorar a nota de Goiás no Tesouro Nacional. Se conseguir subir um degrau na avaliação, poderá retomar os pedidos de crédito junto a instituições financeiras com aval da União. Hoje, o estado está impedido.

Com todas as medidas de ajuste, como redução de despesas e aumento de receitas, Schmidt quer fazer com que Goiás consiga aderir ao RFF (Regime de Recuperação Fiscal).

Pelas suas projeções, apresentadas há duas semanas à Assembleia, o estado conseguirá fazer políticas públicas com a folga no caixa decorrente das condições do programa de refinanciamento das dívidas. “A saída é o RFF”, disse. “Hoje só dá para fazer política pública com 1% da nossa receita. É muito pouco.”