Após 9 meses de pandemia, governo muda plano e agora prevê vacinar toda a população
Confusão começou com Ronaldo Caiado (DEM), que disse, em rede social, que o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) decidira requisitar vacinas produzidas no país ou importadas via medida provisória
A guerra política da vacinação contra a Covid-19 teve nova escalada nesta sexta-feira (11). Em disputa com estados e após nove meses de pandemia, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) prevê R$ 20 bilhões para imunizar toda a população em 2021.
Até o fim de novembro, o Ministério da Saúde tinha outro plano. No dia 27 de novembro, a ideia era vacinar apenas grupos prioritários, como hoje é feito contra a gripe. Bolsonaro se posiciona contra vacinação obrigatória.
O dia foi marcado por informações desencontradas, vistas até como um possível confisco de vacinas, enquanto o país espera por um plano efetivo de imunização.
A confusão começou com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que disse, em rede social, que o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) decidira requisitar vacinas produzidas no país ou importadas via medida provisória.
Após reação do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), com quem Bolsonaro trava uma batalha, a pasta negou a intenção de confisco. O ministério, no entanto, pretende centralizar a compra e distribuição de imunizantes.
De acordo com Caiado, a intenção era evitar disputas entre estados e municípios. “Nenhum estado vai fazer politicagem e escolher quem vai viver ou morrer de Covid”, escreveu na tarde desta sexta.
Pela manhã, o governador havia se encontrado com Pazuello na inauguração de um hospital maternidade em Goiânia. À Folha Caiado argumentou que a requisição não se tratava de um confisco.
“[A medida vai] deixar claro que toda a produção nacional ou importação está requisitada pelo Ministério da Saúde para que faça uma distribuição de acordo com o grupo de risco em cada estado”, disse.
“Requisitar existe na legislação brasileira e não tem nada de diferente do que é feito a todo momento, o governo está tratando de saúde pública. Requisitar administrativamente é algo legal. É uma regra que existe no Brasil e no PNI [Plano Nacional de Imunização]”, afirmou Caiado.
O governador goiano já vinha desde o início da semana criticando o líder paulista.
Ao lado de Caiado, no hospital, Pazuello dissera que o plano de vacinação nacional é de responsabilidade do governo federal. Segundo ele, nenhum brasileiro terá vantagem, por morar em determinado estado.
“Nosso plano nacional de imunização é nacional. Nenhum estado da federação será tratado de forma diferente, nenhum brasileiro terá vantagem sobre outros brasileiros”, afirmou.
No dia 7 de dezembro, Doria anunciou para 25 de janeiro o início da vacinação da população paulista com a Coronavac. A produção é feita em parceira do Instituto Butantan com a chinesa Sinovac.
No mesmo dia, Bolsonaro disse que toda a população teria acesso a imunizantes registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Nem a Coronavac nem nenhuma vacina já está registrada.
O governador paulista também reagiu com mensagem em uma rede social. “Os brasileiros esperam pelas doses da vacina, mas a União demonstra dose de insanidade ao propor uma MP que prevê o confisco de vacinas”, escreveu.
“Esta proposta é um ataque ao federalismo. Vamos cuidar de salvar vidas e não interesses políticos”, afirmou o governador tucano.
O embate público levou o Ministério da Saúde a emitir uma nota no fim da tarde. A pasta negou ter manifestado a intenção de confiscar ou requerer vacinas que tenham sido adquiridas por estados.
“Reiteramos que, em nenhum momento, o Ministério da Saúde se manifestou sobre confisco ou requerimento de vacinas”, afirmou a pasta.
Uma fonte no ministério explicou que o governo pretende adquirir todas as doses necessárias para imunizar a população brasileira. Isso será feito dentro do PNI sendo visto como o único plano no país para promover a imunização.
No entanto, a princípio, o governo não pretende impor nenhum mecanismo que proíba estados de efetuarem aquisições próprias de vacinas.
Apesar da negativa do ministério, interlocutores do Planalto disseram que o governo avaliou editar decreto prevendo a requisição administrativa de imunizantes.
A medida teria como base uma lei de fevereiro deste ano que trata da emergência em saúde pública causada pelo novo coronavírus.
No entanto, a intenção foi questionada até por auxiliares de Bolsonaro. Eles afirmaram que há grande risco de a medida ser considerada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), caso a corte viesse a ser provocada.
Enquanto o embate seguia ao longo do dia, o ministro Paulo Guedes (Economia) tratava dos gastos com Covid.
Houve duas reuniões nesta sexta para discutir possíveis planos para a compra dos imunizantes. Participaram dos encontros Pazuello, Guedes, o ministro Fábio Faria (Comunicações) e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
No Congresso, mais tarde, Guedes disse que o governo ainda estuda estratégias de imunização para o Brasil, enquanto outros países já aprovaram vacinas e compraram doses de diferentes fabricantes.
O custo da operação varia de acordo com o tipo da vacina escolhida.
“Se formos partir agora para uma campanha de vacinação em massa, devem ser mais ou menos R$ 20 bilhões”, afirmou Guedes em audiência na comissão do Congresso que acompanha ações de enfrentamento à pandemia.
Segundo interlocutores no governo, os recursos necessários devem ser liberados em breve por uma MP. Na audiência com congressistas, Guedes sinalizou que a verba pode ser autorizada ainda neste ano, o que aproveitaria regras fiscais flexíveis do chamado orçamento de guerra.
Ao explicar os gastos do governo em 2020, ele disse que já foram disponibilizados cerca de R$ 600 bilhões em medidas de enfrentamento da pandemia e que esse valor poderia ser de R$ 620 bilhões com a verba da vacina.
O ministro indicou que o valor mencionado diz respeito apenas à compra das vacinas. Não inclui, por exemplo, insumos e logística.
Segundo Guedes, o valor de cada dose é estimado em US$ 10. Para imunizar 200 milhões de brasileiros com duas doses, seriam necessários US$ 4 bilhões —ou seja, os R$ 20 bilhões.
O valor citado por Guedes é mais de dez vezes maior do que o liberado para a compra da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca. Para 100 milhões de doses, o governo vai desembolsar R$ 1,9 bilhão.
O contrato foi firmado para produção e distribuição do imunizante em parceria com a Fiocruz. O Congresso aprovou os recursos, também liberados por MP, na semana passada.
O Brasil participa ainda da Covax Facility. O país destinou para a iniciativa global que visa acelerar o desenvolvimento de uma vacina R$ 2,5 bilhões para a compra de imunizantes em consórcio. São previstas mais 40 milhões de doses.
Por fim, o governo fechou memorando de entendimento com Pfizer segundo o qual são previstas mais 70 milhões de doses. Ao todo, assim, a pasta já conta com 370 milhões de doses em 2021.