JUSTIÇA

Aras vai ao STF para limitar Defensorias e pode afetar acesso dos mais pobres ao Judiciário

Defensor público-geral da União classifica atuação da PGR como o maior risco ao trabalho da instituição em décadas

PGR pretende fatiar relatório da CPI da Covid para ações em curso no Ministério Público Federal (Foto: Rosinei Coutinho - STF)

O procurador-geral da República, Augusto Aras, protocolou no STF (Supremo Tribunal Federal) um total de 22 processos que visam derrubar uma legislação federal de 1994 e outras normas estaduais que concedem às Defensorias Públicas o poder de requisitar documentos de órgãos públicos.

Para o defensor público-geral da União, Daniel Macedo, Aras age de maneira “perversa” ao apresentar ao STF essas ações que limitam a atuação de defensores de todo o país.

À Folha Macedo classificou a medida da PGR como o maior risco ao trabalho da instituição nas últimas décadas e disse que o pedido de Aras à corte, caso tenha sucesso, pode “fechar as portas” do Judiciário para a população mais pobre.

A tese de defensores de todo país é que a instituição já sofre com baixo contingente de pessoal e a imposição de uma limitação desta natureza praticamente inviabilizaria a prestação de serviço.

Como há uma estrutura precária das defensorias estaduais e em nível federal, restringir a busca por documentos para subsidiar os processos demandaria muito tempo na fila de espera por essas informações.

Assim, a missão constitucional da instituição de defender a população mais pobre ficaria prejudicada.

“Existe uma frase da ministra Cármen Lúcia que tem mais de uma década: a quem interessa enfraquecer a Defensoria? Porque nós não almejamos o poder. Nós não queremos ser um novo Ministério Público”, diz Macedo.

“Essa posição do MPF é perversa em relação à Defensoria. Essas ações em âmbito nacional vêm com o intuito de enfraquecer a Defensoria Pública. E enfraquecendo a Defensoria se fecha portas de acesso ao Poder Judiciário.”

Aras argumenta em favor de processo que limita Defensorias

Ao Supremo, porém, Aras afirmou que não condiz com a Constituição legislações que permitem aos defensores requisitar certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações e demais providências necessárias à sua atuação.

Segundo o procurador-geral, como advogados privados não têm esse poder, defensores públicos também não deveriam poder obrigar autoridades públicas a expedir documentos e fornecer informações.

Para sustentar sua tese, o procurador-geral cita julgamento de 2010 em que o STF derrubou uma lei do Rio de Janeiro que concedia poder de requisição à Defensoria em relação a órgãos públicos e empresas privadas.

“Não se há de dotar o defensor público da possibilidade de requisitar de entidade particular o que nenhum outro advogado poderia fazer”, disse Cármen Lúcia antes de afirmar que a condição de defensor não torna o profissional em um “super advogado”.

Nos bastidores, porém, defensores têm tentado convencer os ministros do STF que a tese de Aras não se sustenta. Primeiro, porque, segundo eles, o julgamento de mais de uma década atrás foi mais centrado na questão da requisição de informações junto a empresas privadas.

Segundo, porque em 2014 o Congresso aprovou uma emenda à Constituição para aperfeiçoar o trabalho da Defensoria e mudou a realidade jurídica da instituição em relação a quatro anos antes, quando o Supremo discutiu o tema.

Para o defensor-público da União, caso o STF concorde com os argumentos de Aras, será impossível concretizar a determinação incluída na Constituição em 2014 que prevê alcance nacional à instituição.

“A DPU está sujeita a uma emenda constitucional que estabelece que onde houver comarca ou seção judiciária federal, deverá haver um defensor público federal”, afirma.

Macedo, porém, diz que a ordem já é impraticável, mesmo com o poder de requisição, devido ao orçamento do órgão, que, segundo ele, é insuficiente para que se realize as alterações necessárias para mobilizar um defensor em cada local.

Uma das principais questões que dificultam a ampliação do órgão é o teto de gastos, que impede o aumento de investimentos.

Hoje, segundo pesquisa realizada pela Defensoria Pública da União e Defensorias estaduais, mais de 86 milhões de pessoas não acessam os serviços jurídicos e de assistência oferecidos pelo órgão. Deste total, 78 milhões são economicamente vulneráveis com renda de até três salários mínimos.

De acordo com a pesquisa, 125,6 milhões de pessoas, cerca de 59% da população, têm potencial acesso aos serviços jurídico-assistenciais oferecidos pela DPU.

A razão para que falte acesso aos serviços do órgão é a falta de defensores nas seções judiciárias espalhadas pelo país. Segundo o levantamento, somente 80 subseções são atendidas pela DPU, o que representa 28,7% do total no país.

Para conseguir cumprir o que determina a emenda constitucional, seria necessário aumentar o orçamento da DPU. Para isso, ele defende que o órgão seja excetuado do cumprimento da lei que estabelece o teto de gastos.

“Eu entendo que a emenda do teto é insustentável. Vai ficar insustentável. Não queremos furar o teto para aumentar subsídio. A gente quer ser excepcionado do teto”, afirmou Macedo.

Há uma série de ações no Supremo que pedem a suspensão do teto de gastos para a Defensoria.

Segundo colocado na lista tríplice elaborada na DPU, Macedo foi alçado ao cargo de defensor público-geral com o apoio da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos ) e é da Igreja Batista.

Macedo, porém, afirma que a sua atuação à frente da defensoria é laica e que o seu objetivo é “evitar os extremos”.