Terras de ninguém

Áreas sem destinação fundiária da Amazônia tiveram 53 mil queimadas

Levantamento do Inpe mostra que essas áreas contabilizaram 35,7% dos incêndios registrados em 14 meses no bioma

Pouco mais de 53 mil focos de incêndio da Amazônia em 14 meses ocorreram em áreas públicas sem destinação, vulneráveis a atividades ilegais de grileiros e especuladores de terra. O cálculo vem de uma nova ferramenta de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que proporciona o cruzamento de informações sobre as queimadas no bioma segundo o tipo de desmatamento e sua inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

O Inpe registrou 149.281 queimadas na Amazônia entre agosto de 2019 e setembro de 2020. Delas, 45,4% ocorreram em áreas de desmatamento recente — ou seja, praticado nos últimos dois anos — e 40,4% em regiões de desmatamento consolidado, cuja devastação é mais antiga.

— O fogo espontâneo é muito raro na Amazônia. Então, se há queimadas em um local sem proprietário cadastrado, é sinal de que alguém ocupou ilegalmente aquele território — explica Cláudio Almeida, coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e Demais Biomas. — Os dados integrados sobre o incêndio florestal permitirão que o governo federal faça novas políticas públicas sobre o tema.

As áreas sem destinação concentram 35,7% dos focos de queimadas da Amazônia. O restante está em propriedades inscritas no CAR de porte pequeno (35,8%), médio (13,3%) ou grande (15,2%).

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Segundo Paulo Moutinho, cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o novo sistema do Inpe terá uma função crucial: separar os focos de queimadas autorizadas das ilegais, entre as cadastradas no CAR.

— Existem áreas onde há permissão do Estado para realizar uma queima. Em outras, o incêndio é ilícito, e o responsável por ele será observado a partir de agora e poderá sofrer consequências — explica Moutinho. — Além disso, o governo conseguirá investir em medidas de prevenção e campanhas educativas em regiões onde o alastramento de fogo não era identificado.

A região sem CAR — uma “terra de ninguém” com 50 milhões de hectares, área equivalente ao tamanho da Espanha — precisa ser convertida pelos governos em unidades de conservação, segundo uma lei de 2006, o que lhes garantiria uma proteção contra atividades ilegais.

Falta de coordenação

Moutinho destaca que políticas e operações sustentadas pelos dados do Inpe implicarão na montagem de uma estrutura complexa. Afinal, as informações sobre o CAR são provenientes do Ministério da Agricultura, enquanto a pasta de Meio Ambiente é a responsável pelo combate ao desmatamento e às queimadas.

— A coordenação do monitoramento exigirá a formação de um programa interministerial, nos moldes do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDam), que foi abandonado no governo Bolsonaro — alerta. — As políticas de prevenção elaboradas pelos estados também precisam ser incorporadas ao novo projeto do governo federal, evitando o lançamento de ações contraditórias.

Mesmo sob efeito de uma “moratória do fogo”, os incêndios na Amazônia nos últimos meses foram os maiores vistos neste ano. Em agosto ocorreram 29.307 queimadas; em setembro, 32.016.