‘Arrastaram ele pela perna’, diz tia de jovem morto após torneio de futsal
Uma tia de Caio Gabriel Vieira, de 20 anos, morto no sábado após participar de…
Uma tia de Caio Gabriel Vieira, de 20 anos, morto no sábado após participar de um torneio de futsal no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio, cobra da Polícia Militar uma explicação sobre o motivo de o jovem ter sido baleado. Tia do rapaz, Flomara Laura dos Santos, contou que o sobrinho estava numa comemoração quando agentes, que estariam à paisana e com touca ninja, pularam o muro e lançaram bombas de gás. Além de Caio, uma outra pessoa foi morta a tiros.
– Todos correram. Inclusive o Caio. Quando ele foi atingido, pediu socorro. Quem estava perto gritou: “é morador, é morador”. Mas não adiantou. Arrastaram meu sobrinho pela perna para levar para o (Hospital do) Andaraí – disse Flomara Laura dos Santos.
Segundo ela, Caio tinha uma entrevista de emprego marcada para esta terça-feira, em Jacarepaguá, na Zona Oeste da capital. Flomara pediu o fim da violência policial em comunidades do Rio:
– A gente luta para acabar com o que acontece nas comunidades.
Maria da Conceição Vieira, outra tia de Caio, disse que o sobrinho não era bandido e que o momento em que ele foi baleado foi testemunhado por várias pessoas:
– Na favela não tem câmera, mas tem todas. Na favela não tem câmera, mas tem todos esses olhos que se tornam testemunhas de uma inverdade que estão falando. Meu sobrinho foi morto covardemente. A voz superior fica sendo de quem tem o poder, que no caso são os policiais. Por que morando dentro de uma favela a pessoa não tem dignidade, não tem personalidade e é bandido? Não é assim.
Ela frisou que a família quer Justiça.
– Não é só no Morro dos Macacos. Em quase todas as favelas tem acontecido Covardia. Às vezes a covardia é solucionada com a verdade e às vezes não. Infelizmente esses cidadãos de uma UPP, que é para proteger uma comunidade, fazem uma desgraça com uma família. A parede (do local onde Caio estava) está toda furada (por tiros). Foi uma execução – disse.
Segundo ela, a mãe de Caio, que é hipertensa, passou mal e teve que ser atendida numa Unidade de Pronto Atendimento (UPA). O corpo do rapaz foi liberado na manhã desta segunda-feira do Instituto Médico-Legal (IML). Ele foi enterrado no Cemitério de Inhaúma, na Zona Norte da cidade.
A Polícia Civil informou, em nota, que a “Delegacia de Homicídios da Capital (DH-Capital) instaurou inquérito para apurar a morte de dois homens no Morro dos Macacos na noite de sábado. Diligências estão sendo feitas e a investigação está em andamento”.
PM divulga duas notas
No sábado, após a morte de Caio e de outro rapaz no Morro dos Macacos, a Polícia Militar divulgou uma nota informando que o policiamento havia sido reforçado na Rua Armando de Albuquerque por causa de uma denúncia de ataque contra a base da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), o que ocorreu por volta das 3h. Houve tiroteio e, de acordo com a corporação, após o confronto, foram encontrados baleados dois homens, “um de vulgo ‘Cascão’, e um outro de vulgo ‘Jacaré'” que estariam com drogas e arma. Leia a íntegra da nota:
“A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que, equipes da UPP/Macacos, reforçaram o patrulhamento na Rua Armando de Albuquerque, Morro dos Macacos, Zona Norte do Rio, na madrugada deste sábado (15/8), após receberem denúncia de que possivelmente haveria um ataque à base principal da Unidade. Por volta das 3h, a unidade foi atacada por disparos de arma de fogo, vindo de diversos pontos simultâneos da localidade e houve revide. Ao cessar o confronto, foram encontrados dois homens caídos ao solo, um de vulgo ‘Cascão’, e um outro de vulgo ‘Jacaré’, ambos foram socorridos ao Hospital Federal do Andaraí, mas não resistiram aos ferimentos. Com eles foram apreendidas uma pistola calibre 9mm marca Glock, um rádio transmissor, dez frascos de loló, cinco sacolés de maconha, 112 pinos de cocaína e R$ 32,00 em espécie. Vale ressaltar que ambos eram monitorados pelo Núcleo de Inteligência da UPP/Macacos. Ocorrência encaminhada para a 20°DP”.
Nesta segunda-feira, a PM divulgou uma nova nota, destacando que “respeita a dor e a versão dos familiares”. Neste novo comunicado, a corporação não afirma que o material apreendido estava com os dois homens baleados, citando apenas que “também houve apreensão de uma pistola calibre 9 mm, um rádio comunicador, drogas e dinheiro em espécie”. A corporação destaca, ainda, que neste momento “qualquer ilação é prematura”:
“A Polícia Militar respeita a dor e a versão dos familiares. No entanto, reforça que, segundo os policiais militares presentes na ação, ocorreu reação a um ataque criminoso. Após cessar o confronto, dois indivíduos feridos foram localizados, sendo socorridos ao Hospital Federal do Andaraí, e também houve apreensão de uma pistola calibre 9 mm, um rádio comunicador, drogas e dinheiro em espécie.
Todas as circunstâncias que envolveram o episódio serão apuradas pela Delegacia de Homicídios, onde a ocorrência foi registrada, e pela Coordenadoria de Polícia Pacificadora. Nesse momento, qualquer ilação é prematura”.
Porta-voz cita confronto em local de venda de drogas
Em entrevista ao “RJTJ”, da TV Globo, o porta-voz da PM, coronel Mauro Fliess, disse que o confronto entre PMs e traficantes ocorreu no Beco do Amor, local onde ocorre venda de drogas.
– Nenhum dos dois (Caio e o outro jovem morto) possui antecedentes criminais. Todo esse fato será apurado tanto pela Delegacia de Homicídios quanto em Inquérito Policial Militar (IPM). O que temos são relatos de mídias sociais, fotos anteriores que não mostram nenhum tipo de participação no tráfico de drogas, mas o envolvimento com outros criminosos, criminosos inclusive de alta periculosidade e procurados pela Justiça. Tudo isso vai ser apurado tanto pela Polícia Militar quanto pela Delegacia de Homicídios – disse ele.
‘Era uma pessoa muito feliz’
Um rapaz alegre e trabalhador. Assim Caio foi descrito por parentes e amigos. Nascido e criado no Morro dos Macacos, ele procurava um emprego – para não ficar parado, nos últimos tempos vinha fazendo um bico de garçom num bar na Tijuca, na Zona Norte. E se dedicava à preparação da festa de aniversário da tia Laís Vieira dos Santos. A comemoração seria no sábado.
– Ele estava todo bobo, todo feliz. Ele fez de tudo para a festa dar certo. Ele era uma pessoa muito feliz, muito alegre. A comunidade toda gostava dele. Ele era um menino muito querido por todo mundo – disse ela.
Marli Resende Cardoso foi quem levou Caio para trabalhar com ela na lanchonete.
– Era muito querido por todos os clientes. Meu patrão está desolado. Todo mundo gostava do Caio. Era um garoto muito bom. Quando eu fiquei sabendo o meu mundo acabou. Era um garoto muito especial. Era trabalhador – contou.