TRAGÉDIA

Boate Kiss: ‘Anjo da guarda me puxou’, diz sobrevivente que teve pé amputado

Kellen Giovana Leite Ferreira, 28 anos, uma das sobreviventes do incêndio na boate Kiss, relatou os…

Kellen Giovana Leite Ferreira, 28 anos, uma das sobreviventes do incêndio na boate Kiss, relatou os momentos de desespero para sair da casa noturna na noite de 27 de janeiro de 2013. Kellen foi a segunda vítima a depor na última quarta-feira (1º) no Tribunal do Júri que deve se estender por cerca de 15 dias.

A vítima sofreu queimaduras em 18% do corpo e teve um dos pés amputados após o incêndio, que matou 242 pessoas e feriu outras 636.

“Comecei processo de aceitação [do corpo] no ano passado para cá. Eu tinha medo de sair na rua e as pessoas me julgarem por isso, pelo corpo perfeito. Então, a partir do ano passado, comecei a usar shorts. Eu usava calça jeans até no calorão de 40 graus”, disse Kellen, após as marcas nos braços chamarem a atenção do juiz Orlando Faccini Neto no início do depoimento.

A jovem disse que, na noite da tragédia, acabou furando a fila para conseguir entrar mais rápido na boate Kiss. “A fila estava muito grande, tinha conhecido nosso quase na porta e acabamos entrando com ele.”

“Achei que eu ia morrer ali”

Kellen Giovana ainda disse que bebeu pouco naquela noite, mas não percebeu quando a música parou.

“Eu achei que fosse briga. Quando eu corri, eu caí na frente do bar e voltei porque eu queria buscar minhas amigas. Um homem todo de branco, acho que foi Deus na hora, meu anjo da guarda, parou do meu lado direito e disse: ‘Tu não vai’, e me puxou em direção à porta”, continuou a jovem.

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Kellen relembrou que, ao tentar sair do local, novamente caiu no chão. “Então vi que era fogo, porque eu vi meus braços queimarem e era muito, muito calor e um cheiro muito forte”, diz.

“Caí ajoelhada, puxei assim [para tapar o nariz e a boca]. Eu rezei, pedi a Deus que eu não queria morrer ali, eu achei que eu ia morrer ali e pensei na minha família”, acrescentou durante o depoimento.

“Eu me atinei de tirar a sandália para não pisar em ninguém e, quando eu virei, eu bati com meu braço na porta, eu sabia que estava na porta, me puxaram para fora.”

O local tinha capacidade para 690 pessoas, mas comportava cerca de 1,3 mil quando o fogo tomou conta. 242 pessoas morreram. (Foto: Reprodução)

Primeira a chegar no hospital

Da boate Kiss, Kellen foi levada às pressas por um amigo para o Hospital de Caridade.

“Eu fui a primeira a chegar ao hospital, ninguém sabia o que tinha acontecido. Ele [o amigo] entrou para dizer o que tinha acontecido e me levou para dentro. Meus tios foram para o hospital. Meu estado era tão horrível que minha tia chorava muito e eu só pedia para ficar falando com ela, para me manter acordada.”

A jovem precisou ser intubada e encaminhada de avião com outras quatro vítimas para Porto Alegre. Kellen ficou internada por 78 dias.

“Passei por inúmeras cirurgias. Eu fiz enxerto de pele, tirei pele das minhas próprias pernas. Para conseguir a prótese, tive que processar o Estado e o município de Santa Maria. Essa prótese custa R$ 75 mil. De onde vou ter dinheiro para ter prótese dessas? Eu saí para me divertir naquele dia, não para acontecer isso”, desabafou.

Júri

Caberá a um júri formado por sete pessoas decidir se os quatro réus —os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo dos Santos e Luciano Leão— são culpados pelos crimes de homicídio e tentativa de homicídio por dolo eventual (quando a pessoa assume o risco de matar alguém com suas ações) pelo incêndio ocorrido.

O TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) sorteou inicialmente os nomes de 150 jurados para compor o júri. Na manhã antes do início do julgamento, será feito o sorteio final deixando os sete do chamado Conselho de Sentença. O plenário começará à tarde.

*Com informações do UOL