Bolsa Família reduziu mortalidade infantil em 17%, aponta estudo
Um estudo feito por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde…
Um estudo feito por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia, em conjunto com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Escola de Medicina Tropical e Higiene de Londres, demonstrou pela primeira vez como o Programa Bolsa Família (PBF) reduziu a mortalidade infantil e melhorou a condição de saúde de crianças no país em dez anos, de 2006 a 2015.
O trabalho foi publicado nesta terça-feira (28) na edição especial sobre saúde infantil e do adolescente da revista científica PLoS Medicine, uma das mais conceituadas na área.
Na pesquisa, foram avaliados dados de mais de 6 milhões de famílias brasileiras com crianças com idade menor de cinco anos à época do estudo, das quais 4.858.253 (77%) eram beneficiárias do Bolsa Família e 1.451.113 (23%) não. Nas famílias que receberam o benefício, a mortalidade infantil foi 17% menor em relação às que não receberam o auxílio.
Essa redução era ainda maior se as famílias em questão tinham crianças nascidas prematuras, isto é, com nascimento antes de completar 37 semanas de gestação (22%), filhas de mães negras (26%) ou moravam nos municípios mais pobres do país (28%).
Os dados mais recentes do Brasil, de 2019, apontam para uma taxa de mortalidade de crianças de até cinco anos de 7,9 mortes a cada mil nascidos vivos, um número 60% menor do que o observado em 1990, segundo o IBGE. A pesquisa do Cidecs não incluiu neonatos (até 28 dias após o nascimento).
Segundo a pesquisadora e professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, Dandara de Oliveira Ramos, a pesquisa, que vem sendo desenvolvida há cinco anos, tinha como principal desafio o fato que, em estudos epidemiológicos, é difícil separar o que é efeito chamado confundador ou de fato resultado do tratamento. Neste caso, o benefício do programa.
“Nosso esforço foi encontrar um conjunto de variáveis que fosse exatamente o mesmo entre os dois subgrupos, de beneficiários e não beneficiários, de forma que o efeito na redução da mortalidade infantil não era consequência de aquela família ter uma renda um pouco mais alta ou então morar em uma cidade com maior acesso a saúde e alimentação”, diz.
O reflexo da dificuldade em parear está na proporção de famílias que são elegíveis para receber o Bolsa Família, mas não recebem —1 em cada 4 famílias incluídas na amostra.
“Apesar de ter um percentual pequeno de não beneficiários, nós encontramos um efeito significativo, de pelo menos 17% de redução da mortalidade, mas o mais interessante foram os efeitos diferenciais nos subgrupos quando divididos por cor da pele da mãe ou município com menor IDH, o que confirma o efeito do Bolsa Família em promover ainda mais uma redução da desigualdade”, afirma.
Renata mora em uma casa muito simples com os filhos em Brasilândia, bairro na periferia de São Paulo, e recebe há pelo menos dez anos o Bolsa Família.
No início, o valor pago era de R$ 89, equivalente ao auxílio para um filho. Casada, ela se separou e não tinha emprego ou outra renda. “Se não fosse o bolsa família, eu não sei o que teria feito”, conta. Apesar de ter recebido em 2020, Renata não se tornou elegível para o Auxílio Emergencial em 2021.
O estudo do Cidacs tem a vantagem sobre as demais pesquisas sobre o Bolsa Família disponíveis até então por partir de dados primários, e não secundários, que incluem informações colhidas em pesquisas domiciliares como o Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios), do IBGE.
O cruzamento dos dados é feito por meio de um modelo probabilístico, uma vez que estes, apesar de terem informações pessoais como ano e local de nascimento, idade, local de nascimento da mãe, são protegidos.
Para fazer a análise, os pesquisadores utilizaram a chamada “coorte dos 100 milhões de brasileiros”, um conjunto de dados colhido de diferentes bases do governo, como o Cadastro Único, que inclui os beneficiários do Bolsa Família e de outros programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida, assim como os dados do Ministério da Saúde sobre mortalidade, natalidade, mortalidade materna, dentre outros.
Dentro da coorte dos 100 milhões, o estudo cruzou os dados de beneficiários com crianças de até cinco anos no momento que começaram a receber o Bolsa Família ou naquelas que a criança veio a óbito antes de completar os cinco anos com as famílias nas mesmas condições de pobreza e de vulnerabilidade social, mas que não recebiam o benefício. Por isso, foram excluídas variáveis de renda.
“Foram alguns anos até conseguirmos atingir um modelo que fosse forte o suficiente para fazer essa ligação dos dados das diferentes bases de dados”, explica o pesquisador da Fiocruz Bahia e professor emérito da UFBA e epidemiologista, Mauricio Barreto.
O artigo descrevendo o perfil da coorte de 100 milhões de brasileiros foi aceito para publicação.
“O interesse científico em fazer essa coorte dos 100 milhões para estudos epidemiológicos é decompor o que é [benefício] devido à redução da pobreza e o que é pela melhoria do acesso ao sistema de saúde”, diz.
Para as políticas públicas, a implementação do programa deve focar também em áreas com menor acesso à saúde, uma vez que a pesquisa confirma que com o aumento do número de beneficiários cresce também a busca por serviços de saúde, já que alguns atendimentos de saúde, como consultas pré-natais e a carteira de vacinação dos filhos são pré-requisitos para receber o bolsa família.
“O próprio desenho do Bolsa Família já é feito para atuar mais nas áreas mais vulneráveis, por isso os municípios mais pobres recebem uma maior parcela do auxílio, então intuitivamente já achávamos que encontraríamos os mesmos resultados, e nosso estudo só corroborou isso”, afirma Ramos.