Bolsonaro atende a pedido de evangélicos e afrouxará obrigações fiscais de igrejas
Em reunião em maio, com Paulo Guedes, Bolsonaro estabeleceu prazo de dois meses para o secretário especial da Receita Federal atender a solicitações de parlamentares
Depois de um semestre marcado por atritos e insatisfação com o governo de Jair Bolsonaro, a bancada evangélica conseguiu fazer com que o presidente se tornasse fiador de um pacote que deve flexibilizar as obrigações de igrejas perante o Fisco. Em reunião no Planalto em maio, com a presença do ministro da Economia, Paulo Guedes , Bolsonaro estabeleceu prazo de dois meses para o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, atender a solicitações de parlamentares que contestam multas cobradas de entidades religiosas.
A proposta, apresentada por intermédio do deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), já conseguiu duas vitórias parciais: o fim da obrigação de igrejas menores se inscreverem no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), já editada pela Receita; e a elevação (de R$ 1,2 milhão para R$ 4,8 milhões) do piso de arrecadação para que uma igreja seja obrigada a informar suas movimentações financeiras diárias. A bancada evangélica também pediu que as entidades sejam liberadas de determinadas demonstrações contábeis.
Além de Sóstenes – aliado do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo -, a reunião do dia 14 de maio teve a participação de outras lideranças da bancada evangélica, como Silas Câmara (PRB-AM) e Marco Feliciano (Pode-SP). Um estudo da Kadoshi Contabilidade Eclesiástica, levado inicialmente a Malafaia, alegou que as organizações religiosas, embora protegidas por lei de tributação na sua arrecadação, estão “penalizadas com multas pesadas e desproporcionais” por causa das chamadas “obrigações acessórias” para obterem o benefício. Cintra pedia, inicialmente, um prazo de dois anos para adaptar as exigências. Bolsonaro, segundo participantes da reunião, impôs uma resolução até o fim de julho.
“O presidente colocou esse prazo de dois meses diante dos deputados”, confirmou Otoni de Paula (PSC-RJ), outro participante da reunião. “Nosso objetivo não é aliviar obrigações trabalhistas ou previdenciárias. Queremos corrigir restrições que atingem as igrejas”.
O montante devido por entidades religiosas à Receita Federal é de R$ 453,3 milhões atualmente, segundo o órgão. Destes, R$ 12,5 milhões são multas por descumprimento das “obrigações acessórias”, como a Declaração de Débitos e Créditos de Tributos Federais (DCTF) mensal e a Escrituração Contábil Digital (ECD), as quais as igrejas querem ficar liberadas de apresentar. Em função do sigilo fiscal, a Receita não detalha a dívida de cada entidade.
Já o débito total de entidades religiosas inscrito na dívida ativa ultrapassa a marca de R$ 1 bilhão, segundo dados da Procuradoria-Geral de Fazenda Nacional. Das cinco maiores devedoras, quatro são denominações evangélicas que somam R$ 325,5 milhões em dívidas. A lista também conta, por exemplo, com organizações católicas, espíritas e até de maçonaria, cuja imunidade tributária já foi contestada no Supremo Tribunal Federal (STF).
O aceno de Bolsonaro às igrejas ocorre depois que parlamentares da bancada evangélica manifestaram seguidos descontentamentos com o presidente. Parte do grupo se articulou, no início de maio, para derrubar o decreto presidencial que flexibilizava o porte de armas. Um dos atritos mais sensíveis ocorreu em abril, quando Marcos Cintra sugeriu, em entrevista à “Folha de S. Paulo”, que a criação do imposto da Contribuição Previdenciária (CP) poderia atingir o dízimo pago por fiéis. No dia seguinte, Bolsonaro desautorizou o secretário e disse que seu governo não criaria novos impostos, “em especial contra igrejas”.
Receita nega “anistia”
Bolsonaro já tentava fazer outros gestos de aproximação com os evangélicos, segmento em que o presidente aparece com 41% de aprovação, segundo levantamento divulgado ontem pelo Datafolha — entre os católicos, o índice cai para 25%. Em abril, participou de um almoço com lideranças evangélicas no Rio, organizado por Malafaia, além de ter participado da Marcha para Jesus no mês passado.
Ao defender a extinção da obrigação de entregar a DCTF e a ECD, a proposta da bancada evangélica, elaborada pelo contador Fábio Kadoshi, argumenta que as multas por omissões nesses documentos são mais de 30 vezes superiores às penalidades cobradas de pequenas e médias empresas inscritas no Simples nacional.
Kadoshi diz que as duas modalidades de prestação de contas não deveriam se aplicar a entidades religiosas, que não teriam condições de fazer o mesmo controle tributário de empresas privadas: “Prestar contas é necessário. Dificultar o cumprimento da missão das igrejas é desnecessário. Até agora, o governo atendeu 30% das sugestões”.
Procurada, a Receita informou que “não está em estudo qualquer medida de anistia tributária, que dependeria de deliberação do Congresso”. A Receita ressaltou que atendeu a uma das demandas do grupo ao publicar, no fim de junho, instrução normativa que dispensa a inscrição no CNPJ para “organizações religiosas que não tenham autonomia administrativa e orçamentária”.