A bióloga Natalia Pasternak, doutora em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP), disse hoje que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez algo semelhante a um “comercial de margarina”, quando publicou um vídeo no qual toma um comprimido de hidroxicloroquina — substância que não tem eficácia comprovada no tratamento para o novo coronavírus.
A especialista ainda alertou que o chefe do Executivo deveria ter cuidado com o medicamento, que pode causar complicações cardíacas a idosos como ele (de 65 anos).
“É muito variável como a doença se comporta em diferentes pessoas. (…) O que dá para dizer com certeza é que a hidroxicloroquina que ele tomou em público, como se fosse em um comercial de margarina, não vai fazer diferença. A cloroquina não tem nada a ver. Nós já temos dados suficientes para saber que a cloroquina não tem benefício no tratamento dessa doença. Mas sabemos que ela traz certo risco cardíaco, que, na idade do presidente, não deveria ser negligenciado. Então vamos torcer para pelo menos a cloroquina não fazer mal para ele”, disse à GloboNews.
Pasternak manifestou outra preocupação relacionada ao fato de que Bolsonaro tomou hidroxicloroquina diante de uma câmera e publicou o vídeo na internet: a doutora acredita que a cena pode ser exemplo negativo para os cidadãos, que veriam no presidente da República um incentivo para a automedicação.
Além disso, alertou que a maior parte da população não teria monitoramento médico em caso de arritmia cardíaca ou outros efeitos colaterais da cloroquina.
“A live do presidente tomando a cloroquina, apesar de não ter comprovação médica, pode ser um convite à automedicação. As pessoas veem o presidente tomando e dizendo que está se sentindo bem e podem querer se automedicar. Isso é muito perigoso. Nem todo mundo tem atendimento médico tão acessível quanto o presidente ou pode fazer um eletrocardiograma de prevenção… Como, aliás, o presidente deveria fazer, porque é idoso e está tomando cloroquina. É bastante preocupante”, afirmou.
“Surpresa” com Bolsonaro
A doutora em microbiologia opinou que é uma “surpresa” que Bolsonaro tenha sido tão “transparente” sobre o resultado positivo de seu teste da covid-19. Quando a epidemia começou a crescer no Brasil, o presidente fez jogo duro e demorou para revelar seus exames da doença causada pelo novo coronavírus — que, na época, foram expostos como “negativos”.
“Em relação à pergunta da transparência, foi uma surpresa mesmo. Da outra vez, fez-se tanto suspense em relação ao exame, e desta vez o exame veio rapidamente. E seguido das declarações sobre o tratamento com hidroxicloroquina. O presidente é uma figura pública. Seria de bom tom, apesar de não ser obrigatório, ele compartilhar com a população quais foram as recomendações dos médicos. A gente vai ter de se contentar com a declaração dele de que está tomando a hidroxicloroquina como se servisse para alguma coisa”, lamentou Pasternak.