DEMOCRACIA

Bolsonaro planejou, atuou e teve domínio de plano para golpe, diz Polícia Federal

Relatório final da investigação sobre trama golpista tem sigilo derrubado pelo ministro Alexandre de Moraes

Bolsonaro planejou, atuou e teve domínio de plano para golpe, diz Polícia Federal (Foto: Jucimar de Sousa)

BRASÍLIA (FOLHAPRESS) – O ex-presidente Jair Bolsonaro liderou a trama golpista no final de 2022, e a ruptura democrática não foi concretizada por “circunstância alheias à sua vontade”, disse a Polícia Federal no relatório final da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado.

“Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”, diz.

Bolsonaro, declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até 2030 por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral, foi indiciado neste ano pela PF em três inquéritos: sobre as joias, a falsificação de certificados de vacinas contra a Covid-19 e, agora, a tentativa de golpe de Estado.

As informações sobre o papel de Bolsonaro na trama estão no relatório final da investigação da PF sobre tentativa de golpe de Estado em 2022. As conclusões da investigações foram entregues na quinta-feira (21) ao STF (Supremo Tribunal Federal) e tornadas públicas pelo ministro Alexandre de Moraes nesta terça-feira (26).

O relatório foi enviado para análise da PGR (Procuradoria-Geral da República). O órgão é o responsável por avaliar as provas e decidir se denuncia ou não os investigados.

Segundo a corporação, os 37 envolvidos cometeram três crimes: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa, cujas penas somam de 12 a 28 anos de prisão, desconsiderando os agravantes.

O texto diz que o grupo investigado era “liderado por Jair Bolsonaro” e “criou, desenvolveu e disseminou” desde 2019 a narrativa falsa de vulnerabilidade das urnas eletrônicas para justificar intenções golpistas em caso de derrota do presidente na tentativa de reeleição.

Após a derrota na eleição de 2022, segundo a PF, Bolsonaro “elaborou um Decreto que previa uma ruptura institucional, impedindo a posse do governo legitimamente eleito”.

A Polícia Federal ainda diz que há provas e elementos que indicam que Bolsonaro sabia dos planos do general da reserva Mario Fernandes para matar o presidente Lula (PT), o vice, Geraldo Alckmin (PSB), e Moraes.

“Enquanto as medidas para ‘neutralizar’ o ministro ALEXANDRE DE MORAES estavam em andamento, o núcleo jurídico do grupo investigado finalizou o decreto que formalizaria a ruptura institucional, mediante a decretação de Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral e a instituição da Comissão de Regularidade Eleitoral”, diz a PF.

Bolsonaro negou na segunda-feira (25) que tivesse conhecimento sobre planos apurados pela PF para matar o presidente Lula (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes. “Esquece, jamais. Dentro das quatro linhas não tem pena de morte”, afirmou.

O ex-presidente, porém, confirmou que discutiu com aliados e militares a possibilidade de decretar estado de sítio após a derrota na disputa eleitoral de 2022 —o que, para Bolsonaro, não configuraria golpe nem crime.

“Tem que estar envolvidas todas as Forças Armadas, senão não existe golpe. Ninguém vai dar golpe com general da reserva e mais meia dúzia de oficiais. É um absurdo o que estão falando”, disse Bolsonaro.

“Da minha parte nunca houve discussão de golpe. Se alguém viesse pedir golpe para mim, ia falar, tá, tudo bem, e o ‘after day’? E o dia seguinte, como é que fica? Como fica o mundo perante a nós. (…) A palavra golpe nunca esteve no meu dicionário.”

A investigação da Polícia Federal mostrou que, no fim de 2022, Bolsonaro, aliados e militares passaram a discutir minutas de decreto golpistas com o objetivo de anular o resultado das eleições presidenciais, sob a falsa alegação de fraudes nas urnas eletrônicas.

Os textos passaram por mudanças ao longo de novembro e dezembro, algumas feitas por ordem de Bolsonaro. Com o texto alinhado entre aliados, o então presidente convocou os chefes das Forças Armadas para sondar o apoio dos militares à proposta golpista.

Em depoimento à Polícia Federal, o então comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, disse que o general Freire Gomes, à época comandante do Exército, chegou a dizer que prenderia Bolsonaro se ele avançasse com os intentos golpistas.

“Depois de o presidente da República, Jair Bolsonaro, aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de alguns institutos previsto na Constituição (GLO ou estado de defesa ou estado de sítio), o então comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o presidente da República”, declarou.

O único chefe militar que apoiou os planos de Bolsonaro foi o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos. Segundo a PF, ele colocou as tropas à disposição do ex-presidente para a consumação do golpe. O almirante ficou em silêncio diante da Polícia Federal.

Mesmo após a negativa dos chefes do Exército e da Aeronáutica, o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, fez novos apelos para os comandantes das Forças Armadas. O militar foi a peça principal do governo Bolsonaro no ataque às urnas eletrônicas.

O plano do general da reserva Mario Fernandes, que trabalhava no Palácio do Planalto, para matar Lula, Alckmin e Moraes foi descoberto pela PF na reta final do inquérito. O militar conseguiu apoio de outros colegas de farda, que executaram parte do planejamento.

O documento com o passo a passo desse plano foi impresso por Fernandes no Palácio do Planalto com o título “Punhal Verde Amarelo”. Ele previa a participação de seis pessoas, com celulares descartáveis e formatados, e o uso de armamento exclusivo do Exército para o assassinato das autoridades.

Projetava ainda outras possibilidades de execução dos alvos, por exemplo com uso de artefatos explosivos e envenenamento em evento público.

As investigações apontaram uma estrutura por meio de divisão de tarefas, com a existência dos seguintes grupos:

  • Núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral
  • Núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de Estado
  • Núcleo jurídico
  • Núcleo operacional de apoio às ações golpistas
  • Núcleo de inteligência paralela
  • Núcleo operacional para cumprimento de medidas coercitivas

O lado golpista de Bolsonaro é conhecido de longa data.

Saudosista da ditadura militar (1964-1985), ele reiterou ao longo de anos sua tendência autoritária e seu desapreço pelo regime democrático. Negou a existência de ditadura no Brasil e se disse favorável a “um regime de exceção”, afirmando que “através do voto você não vai mudar nada nesse país”.

Na Presidência, deu a entender em 2021 que não poderia fazer tudo o que gostaria por causa dos pilares democráticos. “Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil.”

Durante seu mandato e após a derrota para Lula em acirrada disputa de segundo turno, o hoje inelegível Bolsonaro acumulou declarações golpistas.

Questionou a legitimidade das urnas, ameaçou não entregar a Presidência ao petista após a derrota eleitoral, atacou instituições como o STF e o TSE e estimulou a população a participar de atos golpistas.