Direitos LGBT+

Brasil contraria Constituição ao não assinar carta de defesa de direitos LGBT

Manifesto, que reuniu 50 assinaturas, alerta para abusos contra minorias sexuais na Polônia

O Brasil ficou de fora de uma carta aberta em defesa dos direitos LGBT+ enviada nesta semana ao governo da Polônia. O manifesto reuniu 50 assinaturas de representantes de países e organizações internacionais em Varsóvia, mas não recebeu o endosso da representação diplomática brasileira.

A Polônia tem sido pressionada por adotar uma postura institucional considerada homofóbica. Diversas cidades polonesas se denominam “zonas livres da ideologia LGBT+”, o que, apesar de não ter validade jurídica, busca criminalizar as pessoas não hétero. Esse posicionamento conta com o apoio explícito do governo ultraconservador do Partido Lei e Justiça (PiS) e do próprio presidente Andrzej Duda, que fez da homofobia um dos motes de sua campanha à reeleição neste ano.

A carta, que foi uma iniciativa da Embaixada da Bélgica na Polônia, tem como objetivo dar “apoio aos esforços para aumentar a conscientização pública sobre as questões que afetam a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersex (LGBT+) e outras comunidades na Polônia que enfrentam desafios semelhantes”.

O texto afirma ainda que a dignidade inerente a cada indivíduo, incluindo aqueles de minorias sexuais, está expressa na Declaração Universal dos Direitos Humanos e deve ser protegida pelos governos, segundo preveem a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e a União Europeia.

Em conversa com O GLOBO, diplomatas brasileiros afirmaram que não assinar um manifesto que alerta para os abusos contra a comunidade LGBT+ vai contra a tradição da política externa do país, que, segundo eles, manteve ao longo de anos uma postura bastante progressista neste aspecto.

Para o professor da FGV Thiago Amparo, a posição adotada agora pelo Brasil fere a Constituição Federal, que prevê, no Artigo 4º, que a política externa deve se pautar, entre outros princípios, pela “prevalência dos direitos humanos”.

O Itamaraty foi questionado sobre o motivo de o Brasil ter ficado de fora do manifesto, mas, até o momento, não se pronunciou. No caso da Venezuela, o Itamaraty tem citado o mesmo preceito constitucional para se posicionar contra o regime de Nicolás Maduro.

De acordo com Amparo, a mudança da orientação na diplomacia brasileira segue a linha do governo de Jair Bolsonaro, que tem se aproximado de nações, como a Polônia, cujos governos têm ideologia semelhante.

— Esse caso mostra que o Brasil, de fato, adotou uma política externa que dá primazia à ideologia conservadora. Isso é visível na sua aproximação com países cujos governos são mais conservadores e autocráticos, apesar de não terem uma relação histórica nem relevante que justificasse essa prioridade senão o próprio alinhamento ideológico — afirma o especialista.

Essa mudança pôde ser vista no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, onde o Brasil excluiu menções a gênero, desigualdade e tortura ao promover sua candidatura à reeleição, no ano passado, e votou com países com regimes ultraconservadores em resoluções sobre direitos sexuais e das mulheres.

Amparo pontua ainda que a decisão de não assinar a carta deixa o Brasil mais isolado, já que mesmo países governados pela direita, como os Estados Unidos e a Índia, a endossaram.

O documento foi assinado pelos embaixadores de Albânia, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Croácia, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, República Dominicana, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Islândia, Índia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, México, Montenegro, Holanda, Nova Zelândia, Macedônia do Norte, Noruega, Portugal, São Marino, Sérvia, Eslovênia, África do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Ucrânia, Reino Unido, Estados Unidos e Venezuela.

Ele também foi endossado pelos representantes na Polônia da Comissão Europeia e do Acnur, entre outras organizações.