Brasil pode ir à Corte Internacional por causa da reforma trabalhista
No dia do Trabalhador, o Mais Goiás conversou com especialistas sobre os impactos da reforma, que, apesar de aprovada no Congresso Nacional, ainda sofre muita resistência
Apesar de aprovada no Congresso Nacional em novembro do ano passado, a reforma trabalhista é alvo de resistência por parte de trabalhadores, centrais sindicais, movimentos sociais e políticos, inclusive, de dentro do próprio Ministério Público do Trabalho (MPT). Exemplo disso é ação conduzida pelo órgão para derrubar a medida.
O imbróglio pode resultar em processo contra o País na Corte Interamericana, em razão de “retrocessos trazidos pela reforma”, afirma o procurador do Trabalho Cristiano Paixão, de Brasília. Para entender a questão, o Mais Goiás entrevistou especialistas no assunto para saber quais são os principais impactos da mudança até esse primeiro Dia do Trabalhador (1°) pós-reforma.
Para Paixão, no cenário pós-reforma, para fazer valer os direitos sociais garantidos na Constituição Federal de 1988, é fundamental ativar o sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, do qual o Brasil faz parte. Ele conta que já existem denúncias de violações, feitas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e, por esse motivo, foi promovida audiência pública no ano passado em Montevidéu, e não está descartada a possibilidade de o país sofrer um processo de violação em direitos humanos em decorrência dessas denúncias.
“O sistema interamericano de proteção de direitos humanos vem concedendo atenção cada vez maior aos direitos sociais, tanto que há uma relatoria especial sobre direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais na comissão e houve, no âmbito da corte, uma decisão pioneira sobre direitos sociais, o caso Lagos del Campo vs. Perú”, explica o procurador Cristiano Paixão, citando iniciativas recentes dos dois principais órgãos que compõem o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Ângelo Fabiano, lamentou que “no 30º ano da Constituição Federal, o Congresso Nacional, de uma forma geral, tenta minimizar a eficácia dos direitos socialmente protegidos nela, aqueles individuais também, de uma forma a aprovar leis ordinárias a se sobrepor à Constituição e a tratados e convenções internacionais”.
A procuradora Ludmila Reis Brito Lopes, igualmente do MPT da 10ª e que também participou da audiência, enfatizou a importância da legislação para consolidar o estado democrático de direito, enumerando leis que contribuíram para isso e para a redução da desigualdade, como a Lei Brasileira de Inclusão e o Estatuto da Igualdade Racial.
No entanto, a partir da fragmentação do mundo do trabalho causada pela Lei 13.467, segundo defende, tem sido criada, cada vez mais, uma sociedade de excluídos, aumentando a desigualdade, retirando a cidadania e a dignidade de trabalhadores. “Sem cidadania e trabalho digno, não há força nem espaço para lutar pelos próprios direitos”, conclui Ludmila Reis.
Impactos
A superintendente do do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em Goiás, Sebastiana de Oliveira Batista, explica que reforma trabalhista, que alterou mais de 100 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), apresentou resultados expressivos em relação à média de causas que entram na Justiça do Trabalho. Entretanto, no que tange as denúncias para fiscalização perante ao Ministério do Trabalho, a superintendente afirmou que não houve um aumento ou diminuição.
“Percebemos que a média mensal de processos em 1ª instância recebidas pelos tribunais de todo o país diminuiu significativamente até pelo fato da composição trazida pela reforma trabalhista apresentar uma alternativa para evitar ações na Justiça do Trabalho, proporcionando a segurança jurídica na realização de acordos fora do Poder Judiciário”, contou a superintendente do MTE.
De acordo com o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Lelio Bentes Corrêa, houve um impacto na Justiça do Trabalho a partir dos últimos meses de 2017, quando a reforma entrou em vigor. Em termos nacionais, houve uma redução de 40% das ações ajuizadas na Justiça do Trabalho. “Entretanto, ainda é muito cedo para dizer se esse impacto vai ser permanente. Acredito que até o final do ano vamos ter um panorama mais claro sobre os impactos dessas alterações no número de ações ajuizadas”, disse.
O objetivo principal da reforma foi flexibilizar ao máximo o contrato de trabalho, porém, em alguns pontos, o trabalhador ficou desprotegido. “A modernidade é bem-vinda, nós precisamos pensar sempre em uma atualização das normas em face da evolução dos fatos sociais, mas para mim a tendência mundial de modernidade é elevar o patamar de proteção do socialmente mais vulnerável. Então uma reforma que reduz direitos é contrária ao ideal que se propõe de modernidade. Modernidade é assegurar direitos sociais e direitos humanos a todos e a todas”, afirma o ministro do TST.
Após a caducidade da medida provisória (MP) foi restabelecido, por exemplo, o dispositivo que permite ao empregador exigir da trabalhadora grávida o trabalho em condições insalubres, o que põe em risco não só a saúde da mãe, mas também do bebê. A MP, que perdeu a validade no último dia 23, alterava 17 artigos da reforma, com isso volta a valer o texto aprovado no ano passado.
Principais Mudanças
Férias
As férias individuais ficaram mais flexíveis, podendo ser fracionadas em até três períodos, mediante negociação. Entretanto, um dos períodos não poderá ser inferior a 14 dias e os demais não poderão ser inferiores a 5 dias corridos, cada um.
Rescisão de Trabalho
Foi dispensada a passagem da rescisão pela homologação da entidade Sindical ou do Ministério do Trabalho. Foi criada uma nova modalidade de rescisão de trabalho para desligamentos de “Comum Acordo” entre empregado e empregador
Nesse caso, passam a valer as seguintes regras:
• Aviso Prévio: pagamento de metade do valor do aviso prévio;
• Pagamento da Multa do FGTS: metade da multa de 40% sobre o saldo do FGTS;
• Movimentação do FGTS: O empregado poderá ainda movimentar até 80% do valor depositado pela empresa na conta do FGTS;
• Seguro-desemprego: o colaborador não terá direito ao seguro-desemprego.
Jornada Diária
A jornada diária também foi alterada, podendo ser de 12 horas com 36 horas de descanso. O limite semanal é de 44 horas, chegando a 48 horas com as horas extras, e o mensal é de 220 horas.
Para fins de cálculo de jornada de trabalho, não são consideradas dentro da jornada de trabalho as atividades no âmbito da empresa como descanso, estudo, alimentação, interação entre colegas, higiene pessoal e troca de uniforme.
Intervalo e almoço
O intervalo é de livre negociação, com um limite mínimo de 30 minutos. Se o empregador decidir não conceder intervalo mínimo, ou concedê-lo parcialmente, a indenização será de 50% do valor da hora normal de trabalho apenas sobre o tempo não concedido em vez de todo o tempo de intervalo devido.
Banco de Horas
Poderá haver um banco de horas estabelecido por um acordo individual, mas a compensação deverá ser feita no máximo em 6 meses.
Transporte
O tempo despendido até o local de trabalho e o retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho.
Trabalho parcial
A duração pode ser de até 30 horas semanais, sem possibilidade de horas extras semanais, ou de 26 horas semanais ou menos, com até 6 horas extras, pagas com acréscimo de 50%. Um terço do período de férias pode ser pago em dinheiro.
Trabalho Intermitente
Foi criada uma nova modalidade de contrato de trabalho, chamada de “Trabalho Intermitente”. Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, inclusive as disciplinadas por legislação específica.
O trabalhador será pago por período trabalhado, recebendo pelas horas trabalhadas, juntamente com Férias, 13º Salários proporcionais ao período.
O contrato estabelecerá o valor da hora de trabalho, com as seguintes condições:
• O valor da hora não poderá ser menor que o valor correspondente ao do salário-mínimo
• O valor da hora deverá ser igual, ou maior, que o valor da hora de trabalho dos demais empregados que exerçam a mesma função
O funcionário fica livre para prestar serviço para outros contratantes enquanto não for convocado.
Trabalho remoto (home office)
Para reduzir os transtornos com transporte nas grandes cidades e melhorar a qualidade de vida dos funcionários, muitas empresas passaram a oferecer o conceito de Home Office, ou trabalho remoto. Essa modalidade passou a ser reconhecida e regulamentada com a reforma.
O contrato deverá conter todas as informações negociadas, como por exemplo custos com equipamentos e gastos com energia e internet. O controle do trabalho será feito por tarefa.
Remuneração
Benefícios como auxílios, diárias para viagem, ajuda de custo, prêmios e abonos deixam de integrar a remuneração. Dessa forma, não são contabilizados na cobrança dos encargos trabalhistas e previdenciários. Isso reduz o valor pago ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e, consequentemente, o benefício a ser recebido
Para colaboradores com instrução de nível superior e salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do INSS, perdem o direito de serem representados pelo Sindicato e passam a ter as relações contratuais negociadas individualmente.
Representação
Os trabalhadores poderão escolher 3 funcionários que os representarão em empresas com no mínimo 200 funcionários na negociação com os patrões. Os representantes não precisam ser sindicalizados. Os sindicatos continuarão atuando apenas nos acordos e nas convenções coletivas.
Contribuição sindical
A contribuição Sindical deixa de ser obrigatória, passando a ser opção de cada funcionário.
Terceirização
Possibilitou a terceirização de qualquer setor/atividade da Empresa.
Os funcionários terceirizados devem ter as mesmas condições de trabalho dos funcionários contratados pelas empresas, ou seja, mesma alimentação, transporte, segurança, atendimento ambulatorial, entre outros.
Também devem ter a mesma capacitação, e não podem ser recontratados como terceiros pelas empresas que os demitiram por um período de 18 meses.
Equiparação Salarial
O trabalho de igual valor será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a 4 anos e a diferença de tempo na função não seja superior a 2 anos.
Gestante / Lactante
Passou a permitir o trabalho, respeitando os seguintes critérios:
• Atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;
• Atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;
• Atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.
Negociação, Convenções e Legislação.
Com a reforma, todas as negociações, convenções e acordos coletivos ganham força e passam a prevalecer sobre a legislação.
*Juliana França é integrante do programa de estágio do convênio entre Ciee e Mais Goiás, sob orientação de Thaís Lobo