Meio Ambiente

Brasileiros apoiam desenvolvimento da Amazônia sem afetar o meio ambiente

Levantamento feito pela CNI por telefone com 2 mil entrevistados entre 16 e 27 de outubro, sendo metade deles habitantes dos nove estados que compõem a Amazônia Legal

É quase um consenso a possibilidade de promover o desenvolvimento econômico da Amazônia sem afetar o meio ambiente, segundo um levantamento divulgado nesta terça-feira (2) pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). De acordo com a pesquisa, 95% dos entrevistados concordam com este alinhamento. No entanto, a atuação do poder público é alvo de críticas. Os participantes da enquete exigem mais cuidado com unidades de conservação, discordam dos problemas que a União considera prioritários e, também, de seu discurso belicoso com outros atores presentes na floresta.

A pesquisa da CNI foi feita por telefone com 2 mil entrevistados entre 16 e 27 de outubro, sendo metade deles habitantes dos nove estados que compõem a Amazônia Legal, e a outra metade das demais unidades da federação. Seus resultados serão apresentados no Fórum Mundial Amazônia+21, um fórum on-line e gratuito que ocorrerá de amanhã até sexta-feira, onde especialistas de diversas áreas, além de empresários e gestores públicos, debaterão como promover o desenvolvimento sustentável.

Outra pesquisa, conduzida pelo Datafolha a pedido da ONG Greenpeace, concluiu que 87% dos brasileiros acham de extrema importância manter a floresta amazônica de pé. O instituto perguntou a mais de 1.500 donos de celular qual é a importância de preservar a Amazônia, numa escala de zero a dez, e a média geral foi 9,7.

Dos entrevistados pela CNI, 77% acreditam que o país deveria destinar mais áreas para a preservação do meio ambiente. O presidente Jair Bolsonaro, porém, prometeu antes mesmo de sua posse que faria uma revisão de todas as unidades de conservação, alarmando ambientalistas.

Apenas 30% dos participantes da pesquisa consideram que o governo federal tem desempenho bom ou ótimo em iniciativas de preservação da Amazônia. Indígenas, ribeirinhos e quilombolas obtiveram quase o dobro da aprovação (58%). ONGs e ambientalistas receberam o mesmo aval de 47% dos entrevistados.

Bolsonaro já se comprometeu a não demarcar “nenhum centímetro” de terra indígena, arquivando processos em homologação. As ONGs, porém, são o maior alvo de sua ira na política ambiental. Em uma transmissão ao vivo em uma rede social, o presidente afirmou: “Não consigo matar esse câncer, em grande parte, chamado ONG, que tem na Amazônia”.

Metade dos brasileiros se dizem afetados por algum problema ambiental — o índice chegou a 57% entre os entrevistados da Amazônia Legal. Para 60%, a maior ameaça são as queimadas e os incêndios florestais, seguidos por desmatamento (28%), poluição das águas (15%), descarte inadequado de lixo e poluição atmosférica (9% cada uma), entre outros. Os participantes da pesquisa podiam escolher duas opções.
Agenda urbana

O resultado mostra como os entrevistados discordam da chamada agenda ambiental urbana adotada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que tenta priorizar programas ligados a saneamento básico e combate ao lixo no mar, tirando os holofotes sobre os problemas do campo.

Para Marcelo Thomé, coordenador do Fórum Amazônia+21, a população deveria justamente priorizar os cuidados às cidades, e não a “temas negativos” sobre a floresta.

— Poucas pessoas citam o saneamento, a poluição das águas e a urbana como problema. Parece que a degradação, que é o que efetivamente impacta, não está em seu cotidiano. O estímulo é muito mais voltado para a informação sobre temas negativos da Amazônia — avalia Thomé, que é presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero).

Na visão de Thomé, o governo federal tem uma “agenda correta” em pontos sobre o desmatamento ilegal e o combate às queimadas:

— Tem muita coisa certa e outras que precisam ser melhoradas. Não se pode tratar esse assunto como torcidas opostas, não é um Fla-Flu.

O coordenador da Fiero considera ainda que uma maneira de assegurar e desenvolver a Amazônia é flexibilizar atividades econômicas em unidades protegidas por lei, como terras indígenas.

Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy discorda das iniciativas aventadas por Thomé.

— A vocação da floresta é para atividades como o pagamento de serviços ambientais, ecoturismo e navegação. Não podemos achar que a Amazônia é São Paulo — ressalta. — O governo tem recursos tecnológicos para fazer uma fiscalização muito melhor do que a realizada atualmente, mas não o faz porque sua base eleitoral se beneficia de questões como mineração e pecuária. Está jogando para a torcida, o que é uma estupidez, porque vai ser derrotada em processos de improbidade administrativa.
‘Sistema hídrico’

Bocuhy justifica a preocupação da Amazônia mesmo em centros urbanos distantes no país. A floresta, ressalta, serve para impulsionar o “sistema hídrico” da América do Sul, sendo responsável por 40% da umidade que chega ao Rio e São Paulo. Sua preservação também é fundamental para evitar o agravamento das mudanças climáticas.

— O desenvolvimento econômico deve ser adaptado ao meio ambiente, e não o contrário. Mas as informações sobre esses programas ainda não chegaram à Amazônia em um modo formal ou pragmático. Dependem do desenvolvimento de políticas públicas.

Carlos Nobre, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP, também justifica a preocupação popular com a Amazônia, apontando o avanço do Arco do Desmatamento — as áreas fronteiriças do bioma onde há devastação ambiental —, além do apoio político para práticas criminosas, como a grilagem.

— As democracias representativas estão sendo rendidas ao autoritarismo. Na última eleição, 55% elegeram o atual presidente, mas ele quer acabar com a floresta, e 95% dos brasileiros não concordam com isso. É como se o pensamento fosse: “você votou em mim, é a minha visão que vale para tudo”.

Nobre atenta que o valor da floresta é muito maior quando está de pé. O açaí, diz, já rende US$ 1 bilhão por ano ao país, quase o equivalente à indústria da madeira (US$ 1,1 bilhão), sendo que 80% dos dividendos desta atividade econômica tem origem ilegal.