Se safou

Câmara do Rio arquiva impeachment contra Crivella

O prefeito conseguiu retirar 22 votos daqueles que foram favoráveis à abertura do processo em abril

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro arquivou nesta terça-feira (25) o pedido de impeachment contra o prefeito Marcelo Crivella (PRB). Rejeitaram a denúncia 35 dos 49 vereadores presentes à sessão.

O prefeito conseguiu retirar 22 votos daqueles que foram favoráveis à abertura do processo em abril. Na ocasião, 35 apoiaram a medida, enquanto nesta terça apenas 13 votaram pela queda do prefeito -eram necessários 34 votos para a retirada do cargo.

Ao arquivar o impeachment, os vereadores consideraram que o prefeito não cometeu infração político-administrativa ao estender contrato de concessão para exploração de publicidade no mobiliário urbano da cidade, pivô do processo.

A comissão processante já havia sugerido o arquivamento. O grupo considerou os aditivos aos contratos ilegal, mas responsabilizou servidores do município pelo ato.

A análise dos contratos, contudo, foi apenas uma forma dos vereadores para retaliar o prefeito pelos sucessivos descumprimentos de acordos firmados nos últimos anos.

Ao longo dos 81 dias do processo, Crivella fez novos acordos. Sacramentou o apoio do PP ao ceder duas novas secretarias, refez pontes com alguns vereadores e até prestigiou o aniversário do presidente da Câmara, Jorge Felippe (MDB), apontado como o responsável por influenciar boa parte da Casa.

A mudança de lado de alguns vereadores provocou críticas do núcleo da oposição. Em abril, a tribuna da Câmara assistiu a discursos fortes de nomes do MDB contra Crivella. Nesta terça, apenas antigos críticos da gestão se manifestaram.

“Coisas muito estranhas acontecem nessa Casa. Vereadores que estavam muito zangados com o prefeito de repente caem de amor”, disse o vereador Paulo Pinheiro (Psol).

Vereadores da base de Crivella afirmaram que tirar o prefeito do cargo seria um golpe. O vereador Inaldo Silva (PRB), bispo da Igreja Universal como Crivella, afirmou que há membros da Casa que usam o impeachment e CPIs para pressionar o prefeito.

“Muitas CPIs têm tido nesta Casa. Muitas são para tentar compor com o governo. Nunca teve um prefeito com tanto CPI”, disse bispo Inaldo.

A articulação lhe ajudou a salvar o mandato. Mas é a previsão na Lei Orgânica do Município de eleição direta em caso de vacância do cargo até o terceiro ano de mandato que torna provável sua permanência na prefeitura. Sem o vice-prefeito Fernando MacDowel, morto no ano passado, um impeachment agora exigiria a substituição por meio do voto popular.

Formado majoritariamente por partidos do centrão, a Câmara não quer correr o risco de ter como novo prefeito um nome apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro ou o deputado Marcelo Freixo (Psol), vistos como favoritos para um eventual novo pleito este ano.

Há a expectativa de que uma nova denúncia contra o prefeito seja protocolada em outubro, o que permitiria a derrubada já em janeiro, dando aos vereadores o poder para escolher o substituto. Crivella ganha alguns meses para tentar garantir o apoio fiel dos 18 vereadores necessários para evitar um impeachment e reduzir sua vulnerabilidade.

Para garantir o apoio de mais de um terço da Câmara, Crivella precisa atender a demandas de eleitores desses vereadores. Mais do que cargos, os políticos se queixam da falta de atendimento às suas bases eleitorais, como poda de árvore, coleta de lixo e asfaltamento de ruas. A tensão aumenta com a proximidade das eleições municipais no ano que vem.

“Os vereadores já deram à prefeitura R$ 4 bilhões em arrecadação [com o aumento do IPTU e outras leis]. Agora eles precisam que a máquina funcione”, disse o vereador Paulo Messina (PRB), ex-secretário de Crivella.

Esse atendimento, contudo, exige capacidade financeira da prefeitura, que atravessa uma grave crise. Durante o processo de impeachment, por exemplo, o município suspendeu o pagamento da dívida com o aterro sanitário responsável por receber o lixo de toda a capital, o que gerou uma ameaça de paralisação na coleta. Parte da dívida foi abatida, mas um passivo segue em aberto.

Vereadores adiaram a análise das contas de 2017 do prefeito a fim de usar as ressalvas apontadas pelo Tribunal de Contas do Município num eventual novo pedido de impeachment.

Pessoas que acompanham as finanças da prefeitura preveem problemas nos serviços públicos no último quadrimestre do ano em razão da crise financeira. Num ambiente político desfavorável e com possibilidade de sucessão indireta, um novo pedido de afastamento tendo como base a má gestão da máquina pública é visto como o suficiente para derrubar Crivella.

“A gestão Crivella é um governo morto em CTI. Não avança. O preço para se livrar de um impeachment é muito caro”, disse o vereador Paulo Pinheiro (Psol).

“A situação financeira é preocupante, mas com boa gestão, é possível manter uma base de apoio”, disse o vereador Jairinho (MDB), líder do governo na Câmara.

Filho do presidente vota contra a derrubada de Marcelo Crivella

Mantendo a discrição que apresenta no plenário da Câmara Municipal, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, foi alvo de tímidos protestos durante a sessão que arquivou o impeachment do prefeito Crivella. Em resposta, publicou um tweet durante o debate no plenário.

Carlos votou contra o impeachment. Em abril, foi favorável à abertura do processo -a sessão contou com duro discurso do vereador major Elitusalem (PSC), alçado a líder da sigla na Câmara pela família presidencial.

Quando a sessão completava uma hora e meia, Carlos publicou em sua conta no Twitter reticências (“…”) ao compartilhar uma notícia que relatava o início do julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a soltura do ex-presidente Lula.

No mesmo momento da sessão, cerca de 20 pessoas na galeria com pessoas contrárias ao prefeito passaram a chamar “Carluxo”, apelido do vereador, e gritaram: “Cadê Queiroz?” em referência a Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu irmão Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Carlos respondeu pelo Twitter.

“A militância do partido de pirocas, o braço esquerdo do PT, eis que do nada passa a me homenagear nas galerias na Câmara de Vereadores. Não se cansam de ouvir que nada do que querem tenho a lhes oferecer!”, escreveu.

Pela rede social, o vereador também criticou o vereador Renato Cinco (PSOL), que citou a Venezuela e a Califórnia como locais que previam referendo para o fim de mandatos do chefe do Executivo.

“Vereador do partido de pirocas agora cita a Venezuela como exemplo de processo democrático na tribuna da Câmara!”, escreveu ele.

Sentado em sua cadeira na segunda fileira do plenário do Palácio Pedro Ernesto, Carlos passou boa parte do tempo conversando com os vereadores Jairinho (MDB), líder da gestão Crivella, e Alexandre Isquierdo (DEM), ligado ao pastor Silas Malafaia.

Perto do fim, Carlos passou a fazer anotações com uma caneta, que passou parte da sessão pendurada na orelha. Ele usava um colete à prova de balas.

Famoso por sua combatividade nas redes sociais, o filho do presidente é conhecido por sua discrição na Câmara. Neste ano, fez seu primeiro discurso na semana passada para defender o governo do pai.

Ele havia sido provocado pelo vereador Jones Moura (PSD), que criticou o fato de os guardas municipais não terem sido incluídos na reforma da Previdência como categoria com direito à aposentadoria especial.

“Os mais de 120 mil guardas municipais acreditaram tanto na família Bolsonaro, que hoje não se manifesta para incluir as guardas municipais. Por que somente excluiu as guardas municipais de participarem de um tratamento tão importante? Por isso, eu quero fazer um apelo aqui, também a um dos filhos do presidente da República que está aqui no Plenário. Vocês são os filhos. Qual é o pai que não ouve a palavra da justiça dos filhos?”, disse Moura.

Carlos pediu para que o vereador deixasse de fazer “proselitismo”.

“Inicialmente eu concordei que houve um equívoco ao não incluir a Guarda Municipal nesse processo, passei a ele (Moura) informações que haveria parlamentares interessados em corrigir esse equívoco, mas parece que não fui ouvido. Então, se quiser cobrar de alguém, que cobre do Senhor Rodrigo Maia. E não venha aqui fazer proselitismo, dar pancada na minha cabeça”, disse o filho do presidente.

Eleito vereador em outubro de 2000, aos 17 anos de idade, sua candidatura foi lançada pelo pai, com o objetivo de frustrar a reeleição da própria mãe, Rogéria, à época separada de Jair. Hoje, o ex-casal tem boa relação.

Na Câmara, Carlos é visto por seus pares e suas equipes como alguém calado, que não gosta de ir à tribuna proferir discursos.

Um vereador disse à reportagem que Carlos está no rol dos parlamentares “Hello Kitty” -aqueles que não têm boca.

Nas poucas vezes em que o filho do presidente discursa, o faz para defender o pai, falar sobre temas como a chamada “ideologia de gênero” ou criticar a oposição, em especial parlamentares do PSOL.

“Deixo claro aqui, senhor presidente, mais uma vez, meu repúdio às falas do vereador Renato Cinco, e acho que, em seu baseado, tem muito estrume de cavalo”, disse em 2015 após rusga com o vereador socialista.

Desde que assumiu o mandato, Carlos foi autor ou coautor de 42 projetos. Um deles, assinado sozinho, tem como objetivo incluir o “Dia do Orgulho Heterossexual” no calendário oficial de datas comemorativas da cidade.

“A minha intenção ao apresentar a matéria em questão é, simplesmente, o de homenagear os padrões de afetividade responsáveis pela existência de todos nós neste planeta”, escreveu na justificativa.

Outro advoga pela criação do Escola sem Partido nas escolas municipais, tema caro para o clã Bolsonaro. Um terceiro veta a distribuição de materiais didáticos sobre a diversidade sexual no ensino fundamental do município.Segundo colegas, Carlos é cordial e não dá sinais da agressividade que por vezes transparece nas redes sociais. É reservado, não fica em rodinhas de conversa e não parece ter perfil político para articulações.

Nos corredores do nono andar da Câmara, o filho de Bolsonaro costumava cruzar com a vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018 em crime ainda não solucionado pelas autoridades.

Lésbica, negra e de esquerda, a ideologia de Marielle era extremamente oposta à de Carlos. Ainda assim, colegas de porta, tratavam-se educadamente e tentavam não levar para o gabinete as diferenças expostas no plenário.

Um ex-assessor de Marielle, no entanto, relatou à reportagem um episódio que fugiu à regra da cordialidade.

Segundo ele, Carlos tentou intimidá-lo fisicamente quando o ouviu dizer, durante um tour na Casa, que o vereador vinha de uma família de extrema-direita, que beirava o fascismo.

Marielle, de acordo com o relato, precisou intervir para acalmar o vereador, lembrando que ele os chamava de petralhas.