Campanha de Bolsonaro contratou gráfica investigada por lavagem de dinheiro
A campanha de Jair Bolsonaro à reeleição gastou quase R$ 5 milhões pelos serviços de uma gráfica…
A campanha de Jair Bolsonaro à reeleição gastou quase R$ 5 milhões pelos serviços de uma gráfica cujo dono é um velho conhecido da Polícia Federal e da Justiça, alvo de operações que apuram lavagem de dinheiro e fraudes licitatórias em Pernambuco entre os anos de 2020 e 2022.
Segundo a prestação de contas do Partido Liberal (PL) fornecidos ao Tribunal Superior Eleitoral, a Unipauta Formulários Ltda foi contratada apenas no segundo turno, mas já representa o quarto maior gasto de Bolsonaro na eleição.
A plataforma Divulgacand do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informa que a campanha do PL gastou R$ 4,7 milhões em bandeiras, adesivos, santinhos, folders e outros materiais gráficos entre os dias 14 e 21 de outubro, após o primeiro turno.
Até agora, porém, não foram apresentadas as notas fiscais. O prazo final para fechar as contas sem incorrer em penalidades pelo TSE é o próximo dia 19. Mas no caso das outras despesas já realizadas, as notas fiscais já foram entregues e estão disponíveis online.
O valor que a campanha de Bolsonaro pagou à Unipauta é substancialmente superior ao de mais de 20 gráficas contratadas pela campanha de Bolsonaro e maior até do que o gasto com impulsionamento de anúncios no Google, que foi de R$ 4,5 milhões.
O cadastro da Receita Federal informa que a Unipauta pertence a Sandra Figueroa da Silva. Ela é ex-mulher de Sebastião Figueroa Siqueira, empresário pernambucano apontado pela PF como o líder de um grupo de empresas beneficiadas por contratos de mais de R$ 100 milhões com o governo de Pernambuco entre 2013 e 2020. Segundo o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, são firmas suspeitas de fraudes e de servirem como companhias de fachada.
Num pedido de prisão preventivo apresentado à Justiça federal de Pernambuco, em fevereiro de 2021, o procurador regional da República Joaquim José Dias afirma que Sebastião está à frente de uma “ampla rede” de uma organização criminosa e “se vale de um conglomerado de empresas, notadamente voltadas para a atividade de gráfica”.
Uma delas é a Unipauta, que prestou serviços à campanha de Bolsonaro. A empresa foi um dos alvos da operação Casa de Papel, que em junho de 2020 executou 35 ordens de busca e apreensão em uma investigação sobre direcionamento de licitação, desvios de recursos e lavagem de dinheiro com contratos do governo estadual para o combate à pandemia de Covid-19.
De acordo com o relatório de inteligência da Polícia Federal sobre o esquema, a Unipauta funciona como “apresentadora de propostas” em certames direcionados para a vitória de outras empresas – em outras palavras, uma laranja para dar aparência legal a licitações.
No mesmo relatório, de junho de 2020, a delegada da PF Andrea Pinho afirmou que “em períodos eleitorais a Unipauta parece apresentar preços mais atrativos, tendo sido contratada por diversos candidatos para fornecimento de variados serviços, sendo favorecida, em contrapartida, com valores vultosos”.
O documento informa, ainda, que Sebastião era filiado ao PL desde 2003 – o que, até aquela data, representaria 17 anos filiação.
Em 2018, ano em que a Unipauta ganhou contratos de R$ 9.808.838, o COAF detectou que todos os débitos na conta da empresa foram de saques em espécie, “muitos dos quais com indícios de fracionamento, com a possível finalidade de burlar a necessidade de identificação das transações”.
Desde 2017, Sebastião ou suas empresas já foram alvo de seis operações da PF: Casa de Papel, Antídoto, Coffee Break, Articulata (as quatro ocorridas em 2020), Contrassenso (2021) e Payback (2022).
A mais recente, deflagrada em setembro deste ano, ocorreu menos de 30 dias antes do primeiro serviço da Unipauta prestado ao PL.
O empresário chegou a ter a prisão preventiva solicitada pelo MPF em 2020, mas ela foi convertida em medidas cautelares por integrar o grupo de risco da Covid-19. Na ocasião, a Polícia Federal encontrou evidências de obstrução de justiça que indicavam um possível vazamento da operação.
Não há, até o momento, evidências de irregularidades no contrato da Unipauta com a campanha de Bolsonaro. Mas alguns detalhes envolvendo a empresa chamam atenção.
A campanha de Bolsonaro é a primeira de um candidato a presidência a contratar os serviços da gráfica. Segundo os dados do TSE, desde 2016 a Unipauta atendeu apenas candidatos a prefeito, vereador, deputados estaduais e federais de uma ampla gama de partidos, da esquerda à direita.
Graças em boa parte aos gastos da candidatura presidencial do PL, esta é a eleição mais lucrativa para a gráfica, segundo o histórico da empresa que consta do TSE. Foram R$ 11,8 milhões recebidos por 454 serviços – muito mais do que os R$ 6,9 milhões arrecadados por 1.341 contratos na eleição de 2018.
Por telefone, Sebastião Figueiroa alegou que a Unipauta já tinha sido procurada pelo PL no primeiro turno, mas as tratativas não avançaram. Ainda segundo o empresário, todos os materiais contratados pela campanha presidencial eram voltadas para o Nordeste, região onde Luiz Inácio Lula da Silva obteve larga vantagem sobre Bolsonaro desde o início da disputa eleitoral.
Os proventos da Unipauta declarados ao TSE pelos partidos políticos já haviam chamado atenção. Às vésperas do primeiro turno, a vereadora de Recife Dani Portela (PSOL) entrou com uma representação no Ministério Público Eleitoral solicitando uma apuração sobre o pagamento de R$ 1,7 milhão à gráfica pelo candidato ao Senado Gilson Machado (PL).
A quantia gasta por Machado, que foi ministro do Turismo de Bolsonaro e terminou em segundo lugar na disputa, representa quase 90% do orçamento da campanha.
No passado, a gráfica da família Figueroa também atendeu outro aliado de Bolsonaro em Pernambuco: o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB) e seus filhos Miguel Coelho, ex-prefeito de Petrolina, e o deputado Fernando Bezerra Coelho Filho.
As apurações da PF também atingiram em cheio o governo Paulo Câmara (PSB). No ano passado, seu então secretário do Gabinete de Projetos Estratégicos, Renato Thiebaut, foi um dos alvos da Operação Payback da Polícia Federal. Thiebaut vivia desde 2018 em um apartamento de luxo pertencente a Figueiroa, o que foi apontado pelas investigações da PF como uma troca de favores políticos ao empresário.
Entre os contratos investigados pela Polícia Federal estão serviços supostamente prestados às prefeituras de Cabo de Santo Agostinho, Primavera, Paulista e Recife quando as cidades eram administradas pelo PSB.
Procurada, a Unipauta informou disse ser “uma empresa familiar com atuação no ramo gráfico há mais de trinta anos” com “irrestrito apreço à ética e legalidade” e afirmou que os serviços contratados pela campanha presidencial de Bolsonaro foram atendidos “de acordo com a legislação em vigor e estrita observância aos padrões de preço do mercado”.
Nós questionamos a empresa a respeito das irregularidades apontadas pela Justiça. A empresa alegou não responder a ações penais, embora admita ser investigada. “(O nome da empresa) Foi lamentavelmente inserido em investigações que correm há mais de dois anos sob a batuta da Polícia Federal e Ministério Público Federal”.
Já a campanha de Bolsonaro ainda não respondeu às nossas perguntas sobre a contratação da Unipauta. Estamos aguardando os esclarecimentos, que serão incluídos na reportagem assim que forem prestados.