Uma família tenta na Justiça que um cão da raça shitzu seja considerado uma das partes de uma ação por danos morais e materiais contra uma pet shop de Porto Alegre. De acordo com o processo, no final de junho, Boss Frau von Kussler, 11 anos, foi levado para tomar banho e acabou sofrendo uma fratura na maxilar, sendo necessário passar por uma cirurgia. A alegação é de que o cão tenha sofrido prejuízos físicos e psicológicos devido ao atendimento.
O processo foi registrado há menos de um mês e já causou rebuliço. O pedido de danos morais ainda nem foi analisado, mas a defesa do cão já ingressou com um recurso em segundo grau para a manutenção de Boss como “parte ativa” do processo.
O advogado Rogério Santos Rammê, defensor do animal e da família dele, entende que há embasamento legal para o pedido. Segundo lei estadual aprovada em janeiro deste ano, Boss seria o primeiro animal doméstico beneficiado por um “regime jurídico especial”. Conforme a legislação, Boss possui “natureza jurídica ‘sui generis’ (única em seu gênero)” e é um sujeito de direitos despersonalizados e que deve “gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação”, não podendo ser tratado como coisa.
Entretanto, o juiz Vanderlei Deolindo, que está com o processo, tem uma percepção diferente. Segundo o magistrado, apesar da lei estadual prever o regime jurídico especial para o cão “não prevê a capacidade processual dessa categoria, tampouco, afigura-se razoável a prevalência de hipotética norma”, segundo trecho de decisão, de 22 de julho deste ano.
Uma semana depois, ao analisar os embargos de declaração – uma espécie de recurso – o magistrado reforçou o que já tinha dito e salientou que animais de estimação não têm personalidade jurídica própria. “Parece-me que a parte demandante busca esquivar-se do efetivo objeto da ação, deixando de contribuir de fato para o bem-estar do animal em questão, patinando por questões periféricas que ao interessado (tutelado), em nada contribui para o triunfo da causa suscitada”, completou o juiz.
Não satisfeitos, os tutores de Boss recorreram da decisão e, no começo desta semana, o pedido de manutenção de cão como autor não-humano chegou às mãos de desembargadores do próprio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A solicitação está em análise.
O advogado da família – e do cão – observa que caso haja ganho de causa, os valores serão revertidos em proveito do próprio animal.
“A indenização pelos danos físicos e psicológicos sofridos pelo animal, bem como eventual pensão para custeio da sua vida com dignidade não vai para o tutor, para uma ONG ou para um fundo qualquer. Vai para o animal, para custear seu tratamento, sua subsistência e a reparação de seus direitos fundamentais violados. Com isso, resolve-se até mesmo um problema atual na proteção animal: protetores e ONGs mendigando ajuda alheia para conseguir recursos para tratar animais violentados, maltratados e abandonados. Cada animal vitimado terá direito a uma indenização para custear seu atendimento e subsistência com dignidade, que será administrada pelo seu representante legal, o qual terá o dever de prestar contas da utilização devida da renda em prol exclusivamente da vítima não-humana”, salientou o defensor.