‘Capitã cloroquina’ deixa Saúde e recebe cargo no Ministério do Trabalho
Mayra Pinheiro pediu exoneração para planejar candidatura à Câmara
A médica Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”, deixou a cúpula do Ministério da Saúde e foi nomeada nesta segunda-feira (14) ao cargo de subsecretária da Perícia Médica Federal no Ministério do Trabalho e Previdência. Liderança de ala do governo Jair Bolsonaro (PL) que defende medicamentos sem eficácia para a Covid-19, Mayra ocupava desde janeiro de 2019 o cargo na Saúde de secretária de Gestão do Trabalho e da Educação.
A médica pediu para ser exonerada da Saúde pois planeja disputar uma vaga na Câmara dos Deputados pelo Ceará. Ela se filiou ao PL, mesma legenda de Bolsonaro. Próxima do presidente, Mayra é médica perita concursada. Ela deve se afastar definitivamente do governo até abril, como exige o calendário eleitoral.
Em 2018, filiada ao PSDB, a médica ficou na quarta posição na disputa por vaga do Ceará no Senado. Também chegou a ser filiada ao Partido Novo.
No Trabalho, ela irá ocupar posto estratégico, dentro da Secretaria de Previdência, para atacar um dos principais problemas do INSS, que é a fila de análise dos benefícios. Isso porque muitos dependem de perícia médica.
Mayra deixou o cargo de secretária na Saúde, com remuneração mensal de R$ 16,94 mil, para assumir uma função de R$ 8,17 mil. Ela também acumula o salário de servidora pública efetiva.
A passagem da médica pela Saúde ficou marcada por ações para disseminar o uso de medicamentos sem eficácia contra a pandemia da Covid-19. Por este mesmo motivo recebeu o apelido de “capitã cloroquina” de parte dos opositores do governo. Ela participou, em 2020, da elaboração de documento da pasta que recomendava a prescrição de drogas como a cloroquina desde os primeiros dias de sintomas.
No começo do ano seguinte, quando o sistema de saúde de Manaus entrava em colapso pela falta de oxigênio aos pacientes da Covid-19, a médica liderou uma força-tarefa do governo para levar o mesmo tratamento ineficaz à capital do Amazonas.
Ela também promoveu o TrateCOV, um aplicativo que recomendava a prescrição do “tratamento precoce” mesmo para pacientes com sintomas genéricos, como náusea.
A CPI da Covid do Senado sugeriu, no relatório final, o indiciamento de Mayra por epidemia com resultado morte, prevaricação e crime contra a humanidade.
O ministro Marcelo Queiroga (Saúde) deve aproveitar a saída de Mayra para mudar cargos entre os seus auxiliares. A ideia principal é afastar Hélio Angotti, médico defensor do “kit Covid” e aliado de Mayra, do comando da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos.
Isso porque a pasta lida com a aprovação de orientações e protocolos de tratamentos para o SUS. Neste ano, Angotti rejeitou diretrizes que contraindicavam medicamentos sem eficácia para a Covid-19, como a hidroxicloroquina.
Estas orientações haviam sido elaboradas por um grupo de especialistas formado a pedido de Queiroga. O secretário também liderou algumas das investidas do governo Jair Bolsonaro (PL) para disseminar o “kit Covid” no SUS, como a ideia de inserir os medicamentos no programa Farmácia Popular.
O plano de Queiroga é que o médico passe a ocupar a vaga deixada por Mayra. Auxiliares de Queiroga afirmam que a defesa ferrenha de Angotti ao “kit Covid” se tornou uma dor de cabeça ao ministro. A Comissão de Direitos Humanos do Senado convocou Queiroga e Angotti para que expliquem a rejeição das diretrizes.
Queiroga disse a colegas que o médico Sérgio Okane, atual chefe da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, deve passar a ocupar a secretaria de Angotti. Trata-se de nome de confiança do ministro. Já o órgão de Okane ficaria sob comando de Maíra Botelho, hoje diretora de Atenção Especializada e Temática na Saúde.
Além de avaliar tratamentos do SUS, a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos é vista como estratégica no governo por lidar com o complexo industrial da saúde, coordenar parcerias entre laboratórios públicos e privados, entre outras funções.
As diretrizes sobre a Covid-19 vetadas por Angotti não teriam poder de proibir médicos de utilizarem medicamentos sem eficácia, mas representariam uma mancha às bandeiras negacionistas de Bolsonaro.
Isso porque o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, passaria a reconhecer as orientações contrárias ao chamado tratamento precoce. Queiroga não concordou com a condução do debate sobre o tratamento da Covid-19 no SUS feita por Angotti, segundo aliados do ministro.
O ministro, porém, modulou o discurso e tem investido na pauta bolsonarista para se agarrar ao cargo. Ainda que contrariado por decisões de Angotti, Queiroga tem feito elogios ao secretário, afirmando que ele participou de debates como da transferência de tecnologia para produção da vacina da AstraZeneca na Fiocruz.