APÓS TRAGÉDIA

Capitólio (MG) reabre cânions com poucos turistas e lanchas paradas

Novas regras obrigam uso de capacete e vetam aproximação de área onde rocha se desprendeu

Foto: Divulgação - Bombeiros

Lanchas paradas, poucos turistas e muitas queixas. Quase três meses após dez pessoas morrerem devido ao desprendimento de uma grande rocha no lago de Furnas em Capitólio (MG), o local foi reaberto na última quarta-feira (30) com uma série de restrições e em busca dos turistas, que antes movimentam a economia local.

Mas, no primeiro final de semana de abertura sob as novas regras, o que se viu na cidade foram lanchas paradas nos píeres, poucos turistas e quase nenhum ônibus de turismo. O setor afirma que a tendência é de melhora nas próximas semanas, principalmente porque haverá dois feriados prolongados no mês (Páscoa e Tiradentes).

“A esta hora, 70% das lanchas já estariam na água, o que não está ocorrendo”, disse, na manhã de sábado (2), o empresário Tiago Asa Branca, 35, um dos que oferecem passeio turístico com as embarcações.

Os roteiros aquáticos, com três horas de duração, não deixaram de ser feitos depois da tragédia ocorrida em janeiro. Mas, com o fechamento dos cânions, cartão-postal da cidade, o movimento caiu muito.

“Ficou tudo difícil, as pessoas ficaram com medo. Tem gente que nem sabe que foi reaberto ainda”, disse André Silva, outro que atua no setor.

A reabertura só foi possível após a prefeitura publicar um decreto com regras muito claras: as lanchas não podem entrar sem controle na região dos cânions do lago e todos os ocupantes têm de usar capacetes e coletes salva-vidas.

O limite de embarcações no local também caiu, de 40 para 5, e, em caso de chuva, os passeios são suspensos. Além disso, boias limitam o acesso, impedindo a chegada até os paredões, e som mecânico nos barcos está vetado.

O local, porém, foi reaberto sem definir penalidades a eventuais infratores e qual volume de chuvas será usado para interromper a operação das embarcações no lago.

“Faremos controle com a instalação de pluviômetro a partir da semana que vem. Faremos controle da chuva ali [nos cânions], o monitoramento com o geólogo, que vai definir o limite. Se chover um ou dois minutos é uma coisa, mas, se percebermos que é algo mais demorado, fecharemos”, disse o secretário do Desenvolvimento Econômico Sustentável de Capitólio, Lucas Arantes Barros.

De acordo com ele, possíveis penalidades serão definidas por meio de um projeto de lei, que não foi apresentado à Câmara.

“No decreto [forma usada para definir as normas] não pode colocar punição, tem de ser por lei. Como estamos com fiscalização intensa ali, qualquer descumprimento na hora a gente consegue coibir. Mas, se a gente perceber que está tendo problema, vamos enviar projeto de lei”, disse.

Barros afirmou que todos estão imbuídos em proporcionar segurança ao turista. “Se não tiver, ele não vem.”

Uma dos visitantes foi a comerciante Maria Alaíde Pinheiro, de Franca (a 400 km de São Paulo), que esteve em Capitólio com o marido e os filhos. Ela afirmou que, apesar do acidente, sempre quis conhecer a cidade.

“É uma lembrança muito triste, claro, mas foi um acidente. Não foi culpa de quem estava lá passeando”, afirmou.

Lembrança, aliás, que não sai da cabeça do piloto Lucas Cassiano Costa, 26, um dia sequer. Ele comandava uma lancha que escapou por pouco da tragédia, ao conseguir acelerar e deixar a região dos cânions naquele dia.

Mas não sem sequelas. Uma pedra voou e atingiu o lado esquerdo do rosto do piloto, que desmaiou. Até hoje ele não sabe o tamanho da pedra, mas os estragos são calculáveis. Perdeu dentes, fraturou ossos da face e precisou ficar cinco dias à espera de o rosto desinchar para passar por cirurgia num hospital de Passos (MG).

Ainda afastado das funções, ele esteve sábado no local e diz não saber se conseguirá retomar o trabalho na água.

“Eu vi duas pessoas voando quando a rocha caiu, aquilo me abalou demais. Talvez um dia eu volte, consiga perder o medo. Hoje, psicologicamente, não consigo nem pensar em entrar na água.”

A Marinha está atuando no lago e, na região dos cânions, uma embarcação faz o controle das lanchas.

“Sem capacete, ninguém entra lá”, disse o vendedor de roteiros José Carlos Mendes. Nos barcos vistos pela Folha no local, todos os banhistas usavam o equipamento protetivo.

A adoção de capacetes é vista por alguns turistas e pessoas ligadas ao setor como medida muito restritiva.

“Capacete é restritivo demais. Não cai uma pedrinha, um pedrisco. Se cair, é uma tonelada de pedra, mas temos de lembrar que passaram-se dezenas de anos sem acontecer nada. Agora, do nada, vai começar a ter acidentes? Foi um acidente de natureza”, disse Fausto Costa, secretário-executivo da Alago (Associação dos Municípios do Lago de Furnas) e vice-presidente do comitê da bacia hidrográfica de Furnas.

Depois de um período de seca que fez o lago recuar até oito quilômetros em sua extensão e transformar o local em pasto para vacas, o nível da água na Furnas está em 765 m acima do nível do mar, 8 m a mais que o cenário de julho do ano passado.

Com isso, a Alago e o comitê da bacia hidrográfica consideram o nível “perfeito” para o turismo e veem a retomada como positiva devido à conscientização dos turistas e empresas ligadas ao setor.

“A expectativa é boa devido à conscientização, o sentimento das pessoas que estão à frente”, disse Costa.

O nível desejado de água para atender todas as atividades econômicas e o turismo é 762 m, 12 m acima do nível mínimo de operação (750 m). No nível atual, Furnas está com 81,67% de seu volume útil.

A expectativa do setor turístico é que a retomada seja gradual. Além da tragédia de janeiro, apontam a variante ômicron da Covid-19, as chuvas excessivas do período e a crise econômica do país como fatores que prejudicaram o turismo no primeiro trimestre.

“Os cânions são o principal ponto que os turistas gostam de visitar. Com a reabertura, a situação deve melhorar. Precisa melhorar, para todos”, disse Asa Branca.