Casas de acolhimento para idosos registram primeiras mortes no Brasil
Há registros de pelo menos duas mortes em São Paulo e outras quatro no Espírito Santo, além de suspeitas no Acre, Santa Catarina, Paraíba e Mato Grosso do Sul
Na linha de frente do chamado grupo de risco em meio à pandemia do novo coronavírus, os idosos atualmente acolhidos em casas especializadas lidam não só com a ausência mais próxima de familiares, mas também da sombra da contaminação e das mortes por Covid-19 que passaram a ser verificadas nesses lares nos últimos dias. Oficialmente, há registros de pelo menos duas mortes em São Paulo e outras quatro no Espírito Santo. Também há informações de óbitos Acre, Santa Catarina, Paraíba e Mato Grosso do Sul.
Diante do drama, funcionários das casas de acolhimento e familiares procuram encontrar saídas estratégicas não só para tentar diminuir a solidão dos idosos. Também reforçar as medidas de proteção e controle para evitar uma possível disseminação do vírus entre idosos instalados nestas casas.
Pelo menos duas entidades de atendimento a idosos registraram mortes por Covid-19 nesta semana na capital paulista, de acordo com levantamento do Ministério Público (MP) de São Paulo. Há ainda quatro óbitos suspeitos, 15 casos confirmados e outros 29 casos suspeitos por infecção do novo coronavírus. Todos os casos seriam registrados em casas particulares. A Secretaria de Desenvolvimento Social informa que não há casos confirmados da doença em nenhum das 564 instituições de assistência social do estado, seja entre os 18.203 idosos acolhidos ou entre os 12.831 funcionários.
É a primeira vez que a epidemia deixa vítimas nesse tipo de entidade em São Paulo. Uma delas é uma instituição filantrópica e a outra, um centro municipal de acolhida para idosos. O MP não revelou nome nem localização das entidades, mas informou que a instituição privada apelou por ajuda para lidar com a situação.
As mortes acenderam um sinal vermelho nas autoridades, que veem a situação hospitalar da cidade cada dia mais se aproximar do colapso. Quatro hospitais municipais de São Paulo atingiram na última quinta-feira 100% de ocupação dos leitos de UTI com pacientes de coronavírus.
A promotora de Justiça Claudia Beré, da Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos do Ministério Público Estadual, afirma que a situação é especialmente preocupante nos centros de acolhida, equipamentos públicos que abrigam idosos independentes que não têm moradia. Sem conseguir controlar a entrada e saída dos moradores, muitos dos quais não realizando o isolamento social, os abrigos correm o risco de uma contaminação geral.
— A gente espera que não aconteça o que houve em países como Itália, Espanha e Estados Unidos, porque a gente já sabe o que aconteceu lá e pode trabalhar para impedir que se repita no Brasil. O problema é que o poder público está concentrando a ajuda com fornecimento de materiais em instituições de saúde e se esquecendo desses centros de acolhida. A ajuda comunitária é muito importante — declara.
O MP-SP fiscaliza 650 entidades de atendimentos aos idosos, entre os quais as 14 instituições de longa permanência para idosos (ILPI) e sete centros de acolhida da prefeitura.
Outros estados já registraram mortes em asilos e abrigos, em decorrência da doença. Acre, Santa Catarina, Paraíba, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul, segundo informações do G1, tiveram vítimas residentes dessas entidades.
Em instituições particulares que possuem estrutura e recursos para enfrentar a epidemia, o cenário é menos dramático, mas a preocupação permanece alta. Casas de repouso e outras ILPIs pelo estado precisaram promover mudanças, às vezes drásticas, para adaptar seus espaços à nova realidade.
No Residencial Club Leger, as visitas estão suspensas desde 18 de março. O pianista que tocava para os moradores do abrigo todo sábado agora faz suas apresentações por vídeo. A arte-terapia foi transferida para uma tela de tablet, onde a terapeuta monitora as atividades de cada idoso. E as videochamadas pelo celular se tornaram o único meio de os idosos verem o rosto de seus familiares.
A situação é a mesma para outras instituições. No Lar Sant’Ana, as atividades em salas fechadas foram transferidas para as áreas externas, ao ar livre. Aulas de dança foram suspensas. Na Morada do Sol, a administração dividiu o horário de cada refeição para evitar proximidade e contato físico entre os moradores e limitou um único cuidador para cada um dos idosos.
Em todas essas entidades, o maior desafio tem sido manter os laços afetivos dos idosos durante o isolamento social. O uso da tecnologia, como videogames e tablets, transformou a rotina e ajudou a mitigar os efeitos da solidão. E os cuidados redobrados da parte de funcionários e colaboradores, seguindo orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), estão sendo fundamentais para evitar o contágio nos idosos, que fazem parte do grupo de risco do Covid-19.
Mas o isolamento social de pessoas no grupo de risco à doença não afeta só os enclausurados. O filho de uma das moradoras do Lar Sant’Ana fez um apelo aos administradores para que pudesse vê-la de longe, apesar da proibição de visitas. Médico atuando na linha de frente no combate ao coronavírus, ele disse que precisava ter contato visual com a mãe, Cármen Peres, de 93, antes de voltar ao trabalho.
— O filho da Cármen veio aqui e falou que precisava ver se a mãe estava bem para reunir forças e continuar ajudando as pessoas. Ele disse que aceitaria se a gente dissesse não, mas como recusar um pedido desses? A gente levou a dona Cármen até perto do portão, o que foi suficiente para ele — diz Roberta Seriacopi, coordenadora de gerontologia da entidade.
— A gente imagina que não deva estar sendo fácil para ele, que é médico. Ele nos contou que o cenário estava bem pior do que os números oficiais diziam. O bicho está pegando lá fora — afirma.
O desembargador aposentado Paulo Henrique Pereira, de 81 anos, arranjou um jeito de driblar a carência pelo contato físico. Morador do Residencial Club Leger desde que a epidemia começou a se alastrar pela cidade e impedido de abraçar os amigos, ele vive agarrado a Lord, o golden retriever da instituição. Afinal, até onde se sabe, cachorros são imunes ao covid-19.
Para Vinícius Neves, gerente da entidade, a relação de Pereira com Lord diz muito sobre a crise do coronavírus. Por mais que o abrigo tenha disponibilizado tecnologias para entreter os idosos, o morador recorreu ao que nenhuma máquina pode fornecer, o afeto físico.
— Não pode mais dar abraço, beijo, aperto de mão, então a gente vê o seu Paulo dando abraços muito afetivos no Lord. É tão gostoso vê-lo fazendo isso. Não é necessariamente a tecnologia que resolve todos os problemas nesse momento — diz ele.