Caso Marielle: Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz vão a júri popular nesta quarta (30)
Réus confessos, os ex-policiais militares participam de audiência no 4º Tribunal do Júri do Rio, por videoconferência
Acusados de assassinar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018, os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz vão a júri popular, na próxima quarta-feira. A audiência, prevista para começar às 9h, será no 4º Tribunal do Júri do Rio, no Centro da capital. Os réus participam do julgamento por videoconferência, a partir dos presídios onde estão.
A dupla está presa desde 12 de março de 2019, pouco antes dos homicídios completarem um ano, e já confessou a participação no crime. Lessa admitiu ser o autor dos disparos, dos quais quatro atingiram a vereadora. Foi ele que, em delação premiada à Polícia Federal — assinada em fevereiro deste ano e homologada em março —, indicou como mandantes do assassinato de Marielle os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão — conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e deputado federal (sem partido-RJ), respectivamente—; e o ex-chefe da Polícia Civil e delegado Rivaldo Barbosa como responsável por protegê-los. Os três foram presos em março deste ano, mas todos negam as acusações.
Nesta semana, serão ouvidas nove testemunhas, sendo a principal delas a então assessora da vereadora, Fernanda Chaves, que estava no carro no momento do ataque e que foi a única sobrevivente naquele 14 de março. Outros dois depoimentos serão de testemunhas de defesa de Lessa: o agente federal Marcelo Pasqualetti e o delegado Guilhermo de Paula Machado Catramby, da Polícia Federal. Ambos foram ouvidos nas audiências de instrução no Supremo Tribunal Federal (STF), na ação penal que apura o caso. Na ocasião, eles falaram sobre a falta de investigação por parte da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), responsável pelo inquérito da morte da vereadora, quanto aos casos envolvendo a contravenção e as milícias.
Os réus respondem por duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima) e pela tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves. As defesas dos dois réus esperam que, com as colaborações, o Conselho de Sentença ( isto é, os jurados) aplique uma pena “justa”.
— O empenho no último ano dos órgãos de investigação, somado à colaboração de Ronnie Lessa na elucidação do caso, esclareceu as dúvidas que pairavam nesses longos seis anos de investigação: Quem matou Marielle e Anderson e quem mandou matar? Em decorrência disso, espera-se a condenação de um réu confesso, mas de uma forma justa, considerando todo seu esclarecimento sobre os fatos desde a motivação até o cometimento do crime — afirma o advogado de Lessa, Saulo Augusto Carvalho.
Estopim
Também na delação do ex-sargento da Polícia Militar consta o que seria a motivação para o crime: exploração de terras para construção irregular na Zona Oeste do Rio. Segundo Lessa, a discussão sobre o projeto de lei número 174/2016 pode ter sido “o estopim para que fosse decretada a pena capital” da vereadora. O texto tinha como objetivo flexibilizar ainda mais as exigências legais, urbanísticas e ambientais para a regularização de imóveis. Marielle se opôs à ideia durante votação na Câmara do Rio.
Já a delação de Élcio de Queiroz, em junho de 2023, havia apontado Lessa como o responsável pelos disparos contra Marielle e Anderson. À época, no depoimento, Queiroz também admitiu dirigir o Cobalt prata usado no ataque. O carro nunca foi encontrado, tendo passado por um “desmanche” — ação que levou à prisão Edilson Barbosa das Santos, o Orelha, e ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, que teria ajudado Lessa e Queiroz a se desfazerem do veículo.
— Élcio está colaborando com a Justiça em busca de redenção, assumindo a responsabilidade por suas ações e revelando a verdade, como forma de reparar o dano causado. Como sua advogada, meu papel é garantir que ele seja julgado com base nos princípios fundamentais da legalidade e da proporcionalidade, assegurando que sua verdadeira intenção e o contexto de sua participação sejam plenamente considerados — salienta Ana Paula Cordeiro, advogada do réu.
Lessa, por sua vez, já sofreu uma condenação referente ao caso, em julho de 2021, por destruir provas. Segundo o Ministério Público do Rio (MPRJ), ele e outros quatro condenados se livraram de armas do ex-PM jogando-as no mar da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Entre elas estaria a submetralhadora HK MP5 usada nos homicídios de Marielle e de Anderson, que nunca foi encontrada. Em sua delação, Lessa apontou um outro destino para o armamento. Segundo ele, a submetralhadora foi emprestada pelos mandantes para a execução da vereadora e, em seguida, devolvida para Robson Calixto Fonseca, o Peixe. O PM era assessor de Domingos Brazão no Tribunal de Contas do Estado.
Tramites
A previsão é de que o julgamento desta semana se estenda por ao menos dois dias. Das nove testemunhas que deverão prestar depoimento, sete são indicadas pelo Ministério Público estadual, sendo elas a assessora Fernanda Chaves; a viúva de Anderson, Ágatha Reis; a mãe de Marielle, Marinete da Silva; a viúva da vereadora, Monica Benício; uma perita criminal; e dois agentes da Polícia Civil.
As outras duas são as arroladas pela defesa de Ronnie Lessa. Já a defesa de Élcio de Queiroz desistiu dos depoimentos das testemunhas que havia requerido anteriormente. Os réus também serão ouvidos na audiência. Em seguida, os defensores dos réus e a acusação debatem o processo.
O juiz Gustavo Kalil, titular do 4º Tribunal do Júri, decidiu que comparecerão no plenário apenas os participantes do júri. Antes definido para presidir o julgamento, Kalil será substituído pela juíza Lucia Glioche. Já os réus participam por videoconferência: Lessa a partir do Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo; e, Queiroz, do Complexo da Papuda, presídio federal em Brasília.
Algumas testemunhas também poderão participar de forma virtual da sessão do júri. O Juízo solicitou às partes envolvidas no processo que apenas compareçam em plenário as pessoas que efetivamente participarão do júri, a fim de evitar aglomeração e tumulto. O julgamento será transmitido ao vivo pelo canal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio no YouTube.
Em reunião realizada em setembro, no Fórum Central do Rio, onde foi escolhida a data do júri, a promotoria e as defesas desistiram de tomar o depoimento do delegado Giniton Lages e do policial civil Marco Antônio de Barros Pinto. Eles constavam no rol de testemunhas. O encontro especial contou com representantes do juizado, do MP, além de assistentes de acusação e defesa dos réus.
Domingos, Chiquinho e Rivaldo
Na última semana, prestaram depoimento os réus em uma ação penal que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso. Chiquinho Brazão elogiou Marielle, afirmando que ela tinha um “futuro brilhante” e alegando que eles tinham uma boa relação. Domingos Brazão negou conhecer o ex-policial militar Ronnie Lessa. Já Rivaldo Barbosa elogiou a atuação de Marielle Franco e afirmou que os dois mantinham uma boa relação.
O último depoimento da semana foi do PM Robson Calixto Fonseca, o Peixe, que volta a ser ouvido amanhã. Na denúncia, ele é apontado como responsável por determinar pagamentos a diversos construtores e loteadores, por meio de terceiros.
Todos negam participação no crime.
• Silenciador usado em morte de Marielle foi jogado no mar, indica Ronnie Lessa; leia
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