Casos de sequestro acendem alerta à polícia goiana
Crime incomum no Estado tem aumento de registros nos últimos meses; polícia não descarta hipótese de quadrilha estar em atuação
“Eram dois. Um me obrigou a sentar no banco de trás e estava armado. O outro, nem sabia como dirigir e tive que ensinar.” O relato é de uma mulher que aos 60 anos foi levada por bandidos no estacionamento de um supermercado. Ela ficou por mais de quatro horas em poder dos criminosos, que recebiam ordens pelo celular. O caso aconteceu em dezembro; de lá até então, outros dois sequestros foram registrados.
Exatos 25 dias após o fato que inicia a reportagem, mais uma mulher, de 61 anos, foi vítima. Dois dias depois, outro caso é registrado. A forma de atuação dos criminosos, em todas as situações, é parecida. Polícia Civil não descarta a hipótese de que seja o mesmo bando, mas investiga autorias. Delinquentes podem ter comando de dentro de presídios, aponta delegado.
Delegado do Grupo Antissequestro (GAS), Kleiton Manoel Dias acredita que esse tipo de crimes tenha participação ou comando de dentro de presídios. “Não está claro que seja o mesmo bando em todos os crimes, vamos apurar e não podemos descartar nenhuma das hipóteses”, disse o delegado.
GOIÂNIA
18 de dezembro de 2017. O local é o estacionamento de um grande supermercado na Avenida Portugal, no Setor Oeste. Uma funcionária pública aposentada, de 60 anos, chega com a mãe, no carro. Apesar de estarem no supermercado, a intenção não é ir ao estabelecimento; elas seguem para um dos centros médicos nas proximidades.
Enquanto a mãe faz exames, a mulher, que é esposa de um empresário da capital retorna ao supermercado, para comprar refrigerante e pães. Compra feita, com sacolas nas mãos, é a vez de guardar no carro para buscar a mãe na clínica. Um dos criminosos a aborda no estacionamento. “Ele me obrigou a ir para o banco de trás, e sentou comigo. Ele tinha uma pistola preta e direto encostava a arma gelada em mim. Outro, mais novo, assumiu a direção. Só que ele não sabia como ligar o carro e tive que ensinar,” recorda.
Ela conta que os bandidos, fazendo uso do celular dela, ligavam para outro número e a pessoa que falava com eles dava as ordens de como prosseguir. “O chefe deles mandava que me levassem para o ‘buraco’. Eu só pedia para me deixarem ir embora pelo amor de Deus.”
No meio do caminho, outro carro, um Spin prata, passou a dar apoio. “Eles me levaram para uma casa que está para alugar, atrás do Hospital da Criança.” Na residência, a mulher ficou por três horas em poder dos criminosos. Um dos bandidos saiu no carro da vítima e levou o cartão do banco com a senha.
O criminoso armado, que ficou com a mulher, era nervoso e não parava quieto um só instante. A negociação da liberdade foi feita pela própria vítima. “Quando ele me deixou, mandou que não olhasse para trás. Eu tentava andar o mais rápido, mas minhas pernas não obedeciam. Até que cheguei ao Hospital da Criança e fui amparada pelos funcionários e esperei a chegada do meu esposo.”
Os criminosos abandonaram o carro no estacionamento de um supermercado, no Jardim Goiás. Com o cartão do banco dela, fizeram compras em várias lojas de um shopping do mesmo setor. Os criminosos gastaram cerca de R$ 5 mil.
SUPERMERCADO
11 de janeiro de 2018. Em um supermercado do Setor Bueno, em Goiânia, uma mulher de 24 anos fazia compras, quando foi abordada no estacionamento por um casal de jovens. O rapaz, de 21 anos assumiu a direção do carro.
Uma menor, de 16, ficou no banco de trás. A vítima, deitada e sob ameaça de uma faca, não tinha como reagir.
A refém foi obrigada a sacar dinheiro em um banco. Além de entregar o valor, foi levada a um shopping de Aparecida de Goiânia. O rapaz fez compras em várias lojas, com o cartão de débito da moça. Ainda no estacionamento, a vítima aproveitou a distração da infratora, que pegou o celular. A moça saiu do carro correndo.
O rapaz foi preso quando retornou ao carro e a menor, apreendida. A delegada Edilaine Moreira, titular do 5º DP de Aparecida de Goiânia, acredita que a dupla tenha feito outras vítimas e pede para quem os reconheça, procure a delegacia.
CRUZADO
Conhecido como sequestro cruzado, outro caso foi registrado pelo GAS da Delegacia Estadual de investigações Criminais (Deic). Uma comerciante idosa de 61 anos recebeu uma ligação de um suposto sequestro. Quem estaria do outro lado, a filha, sob a mira de arma. Os bandidos exigiram que ela fizesse saques e, quando chegou ao limite de movimentação bancária, ordenaram que a mulher se hospedasse em um hotel.
No dia seguinte, fez mais saques. Nesse interim, os criminosos entraram em contato com os familiares da comerciante. Assim, afirmaram ter sequestrado a idosa, e extorquiam dos dois lados. A idosa transferiu R$ 3 mil e os familiares, outros R$ 7 mil. Ainda assim os bandidos exigiam mais R$ 40 mil.
O delegado Kleiton Manoel acredita que esse tipo de modalidade, de segregar uma vítima em um local e exigir dinheiro dos dois lados, é novidade.
HISTÓRIA
Na literatura policial de Goiás, o crime de sequestro não é corriqueiro. O mais emblemático aconteceu em setembro de 1988. O Boeing 737-300 da Vasp estava com o voo 375 de Porto Velho ao Rio de Janeiro. Na escala em Belo Horizonte, o maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição, de 38, desempregado, entrou na aeronave e mudou as vidas de todos os 135 passageiros e oito tripulantes.
O sequestrador culpava o governo de Sarney pela perda do emprego, e queria jogar a aeronave no Palácio do Planalto. Já no Rio ele obrigou o piloto a retornar. O piloto o convenceu a abastecer a aeronave em Goiânia, foi onde agentes da Polícia Federal cercaram a aeronave. O piloto foi atingido por um tiro, e o sequestrador levou um tiro. O copiloto, também atingido pelo sequestrador, morreu na cabine da aeronave. O sequestrador morreu dias depois.
Em 1998 Wellington Camargo, irmão dos sertanejos Zezé e Luciano é sequestrado em Goiânia. A imprensa levou ao conhecimento do público o fato, e revelou que os criminosos exigiam 5 milhões de Dólares como resgate. Um pedaço da orelha do sequestrado foi enviado a uma emissora de TV local. Durante as negociações o valor do resgate chegou a US$ 300 mil. A polícia conseguiu chegar ao cativeiro e libertar a vítima.
Em 1990 o empresário Odilon Santos, dono da empresa Viação Araguaína — uma das maiores empresas de transporte de Goiás — é sequestrado. Três anos depois, o filho dele, Odilonzinho Santos, dono da empresa Transbrasiliana, foi feito vítima.