JUSTIÇA

CECS ajuíza ação contra Nota Técnica do Conselho Federal de Psicologia

Juiz Charles Renaud, da 21ª Vara Federal, acolhe processo. Consteladores enfrentam prejuízos de ordem moral e profissional

A presidente do CECS, Andréa Vulcanis: “É preciso restaurar, por meio das instituições jurídicas nacionais, a ética e a verdade sobre as Constelações” (Foto: CECS)

O juiz Charles Renaud, da 21ª Vara Federal, em Brasília, acolheu a ação ajuizada pelo Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas (CECS) que visa a suspensão da Nota Técnica nº 01/2023 emitida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP).

A ação 1084790-74.2024.4.01.3400 tramita pelo procedimento comum com pedido de tutela de urgência até o julgamento do processo. De acordo com o documento, os consteladores sistêmicos enfrentam prejuízos de ordem moral e profissional desde a publicação da Nota Técnica nº 01/2023. Pessoas foram influenciadas pelo conteúdo do documento, mesmo que nada saibam sobre Constelações. Essa falta de conhecimento sobre o tema não as impede de tecer críticas e realizar julgamentos.

A ação destaca que diversos associados do CECS tiveram perdas financeiras com a divulgação do documento, eivado de conclusões que não condizem com a realidade. Os pacientes passaram a se sentir amedrontados e deixaram de frequentar os grupos de constelação ou as sessões individuais.

A Nota Técnica, assinada pelo presidente Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, publicada no dia 03/03/2023 e contida no processo administrativo SEI 576600028.000008/2023-33, teria como objetivo orientar psicólogos sobre a prática das Constelações Familiares Sistêmicas. No entanto, o CECS argumenta que o documento apresenta vícios quanto à validade formal para produzir quaisquer efeitos vinculativos ou oficiais para manifestação do CFP.

Além da suspensão da nota técnica, o CECS pede ainda a citação do CFP para, querendo, apresentar contestação; a procedência do pedido desta ação para declarar a nulidade da Nota Técnica nº 01/2023 emitida pelo réu e a condenação ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência.

A presidente do CECS, Andréa Vulcanis, consteladora, advogada e procuradora federal, mestre em Direito e pós-graduada em Direito Sistêmico qualificou como “dia memorável” o acolhimento da ação judicial por parte do juiz federal, Charles Renaud, de Brasília.

Andréa Vulcanis citou o criador da abordagem, Bert Hellinger: “Muitas vezes o conflito está a serviço da paz”. Segundo ela, “para o CECS, um posicionamento efetivo a favor da abordagem é necessário para que se possa restaurar, por meio das instituições jurídicas nacionais, a ética e a verdade sobre as Constelações”.

“Essa ação judicial que tem como objetivo primeiro a suspensão da Nota Técnica, mostrou-se necessária ante a não abertura por parte do Conselho Federal de Psicologia para uma revisão cooperada do documento”, destaca.

“Esperamos, verdadeiramente, que o debate judicial possa proporcionar um diálogo efetivo que restaure um lugar de dignidade para as Constelações, abalado após a edição da Nota Técnica que provoca inúmeros prejuízos”, pontua.

Legalidade

De acordo com a ação judicial, a Nota Técnica nº 01/2023 contraria diversos princípios do processo administrativo, a legalidade e o próprio regimento interno do CFP, bem como as diretrizes mais modernas aplicáveis à administração pública.

“O perigo de demora na prestação jurisdicional está consubstanciado no fato de que a publicação da Nota Técnica trouxe e continua a trazer diversos prejuízos para os associados do Centro de Excelência em Constelação Sistêmicas”, destaca a ação judicial.

O documento ressalta que os atingidos relatam até mesmo o afastamento de pessoas do seu convívio habitual, o que gera diversos constrangimentos e dores morais.

Além disso, projetos envolvendo as Constelações que estavam em curso sofreram abalos importantes após a edição da Nota Técnica. São citados os casos de instituições de atendimento a menores em conflito com a lei, presídios, instituições de caridade, psiquiátricas, que oferecem abrigo e cuidados a pessoas idosas, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Elas sofreram um forte abalo e a grande maioria teve as atividades interrompidas ou muito restringidas.

O documento cita o Projeto Justiça Sistêmica no Sistema Penal, no Rio Grande do Sul (RS), em execução desde 2021 em diversos estabelecimentos penais que passou a sofrer graves restrições. O programa, por exemplo, foi descontinuado ou impedido de ser realizado junto às penitenciárias femininas de Guaíba, Madre Pelletier e Galeria Transgênero. O detalhamento desses prejuízos consta da declaração formulada pela juíza de Direito, Dra. Lizandra Cericato.

Irregularidades

A ação ajuizada aponta vício formal do processo de elaboração e publicação da Nota Técnica do Conselho Federal de Psicologia (CFP). O suposto Grupo de Trabalho (GT) que elaborou o documento não foi formalmente constituído.

No processo administrativo, constam apenas os CRPs nos quais os integrantes são registrados. Entretanto, não relaciona os nomes dos membros nos autos. Além disso, a instituição do GT não foi publicada, tampouco divulgada aos psicólogos e à sociedade civil.

A ação judicial informa, ainda, que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) é uma autarquia federal, criada pela Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971, que regulamenta a profissão de psicólogo no Brasil.

O texto destaca que atuação do CFP está diretamente voltada ao controle da atividade profissional de psicólogos e no âmbito da consultoria técnica. Diante da análise da legislação brasileira, a entidade não tem atribuição para aferir ou se posicionar sobre o conteúdo epistemológico de abordagens de ajuda, como as Constelações, ou terapêuticas. Não lhe cabe adentrar ao mérito de campos do conhecimento alheios às suas atribuições legais para, sobre eles, fazer juízos de valor.

A ação judicial demonstra que não cabe ao CFP avaliar o conteúdo epistemológico das Constelações Familiares Sistêmicas. Foram ultrapassadas as competências legais, “razão pela qual deve ser anulada a Nota Técnica”, diz o texto.

A ação judicial deixa claro que a Nota Técnica nº 01/2023 deve ser anulada porque o tema das Constelações Familiares Sistêmicas, em que pese ser multidisciplinar, não integra, de forma alguma, o ramo da Psicologia, “pois se trata de uma abordagem da ajuda que avança para campos do conhecimento que vão além da mente e do comportamento humano”.

Além disso, o Grupo de Trabalho (GT) Científico do Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas já catalogou quase 500 referências bibliográficas sobre a abordagem, como artigos de revista e do Judiciário, teses, dissertações, revistas, livros, blogs, sites, vídeos do YouTube, podcasts e Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs).

A ação judicial é assinada pelos advogados Walter José Faiad de Moura (OAB/DF 17.390), Simone Martins de Araújo Moura (OAB/DF 17.540), Maria Clara Rocha Araújo (OAB/DF 38.090) e Antonio Hidd (OAB/DF 62.768).