Chacina de Osasco: dois anos depois, julgamento dos réus é marcado para setembro
Há dois anos, 19 pessoas foram assassinadas em uma série de ataques nas cidades de…
Há dois anos, 19 pessoas foram assassinadas em uma série de ataques nas cidades de Osasco e Barueri, região metropolitana de São Paulo. Três policiais militares (PMs) e um guarda civil são acusados pelos ataques, no caso que ficou conhecido como Chacina de Osasco, mas alegam inocência. No dia 18 de setembro, começa o julgamento de três dos acusados, que vão a júri popular por 24 crimes de homicídio – 17 consumados e sete tentativas.
“Para mim, parece que aconteceu ontem. O tempo não passou para mim ainda, cada vez pior. Você levanta com isso na cabeça, dorme com isso na cabeça. Você tem que aceitar da forma que foi, é revoltante, você tem que engolir e conviver com isso. É isso que é a minha revolta”, diz Zilda Maria de Paula, mãe de Fernando Luis de Paula, um dos mortos na chacina. Zilda vai depor no julgamento em nome dos parentes das vítimas, mas não quer assistir ao restante da audiência.
“Eles não mataram só os meninos, eles nos mataram também. Nós estamos morrendo a cada dia que passa, não sai da cabeça, é uma dor sufocante”, desabafa. O filho de Zilda, com 34 anos, tinha saído para cortar o cabelo e depois foi a um bar com amigos no dia 13 de agosto de 2015. Ela conta que Fernando foi um dos últimos rapazes assassinados naquele bar e viu os amigos serem baleados e, sentado em uma cadeira, nada pôde fazer.
Para o promotor do Ministério Público (MP) designado para o caso, Marcelo Oliveira, há provas suficientes para a condenação dos réus, apesar das dificuldades para investigar crimes cometidos por policiais, já que eles conhecem todos os meios de investigação. A previsão é que o julgamento dure cerca de uma semana.
“Nós não vamos ter êxito num exame de confronto balístico com as armas pessoais dos acusados porque eles não seriam tão ingênuos a ponto de praticar o crime com as próprias armas. Nós não vamos encontrar o sinal dos celulares deles nos locais dos crimes porque eles não vão levar os telefones celulares. Eles sabem, todo mundo sabe hoje: telefone celular, além da função que é óbvia de telefone, ele tem outra, que é ser rastreado”, diz Oliveira.
De acordo com a denúncia do MP, os assassinatos foram motivados pelo desejo de vingar a morte de um policial militar e um guarda civil municipal. Na decisão de levá-los a júri popular, a juíza Élia Kinosita Bulman afirmou que há elementos suficientes nos autos que comprovam a participação dos réus.
O promotor Marcelo Oliveira afirma que há mais pessoas envolvidas no massacre. “Diante da magnitude do evento, tenho certeza de que não são só os quatro que vão a julgamento que estão envolvidos na chacina. É evidente que há outros, alguns planejaram, outros até mesmo executaram, e não foram identificados. Cada um teve um papel ali.” Durante as investigações, houve relatos de que, em alguns locais dos crimes, o patrulhamento por viaturas da Guarda Civil era frequente. No entanto, no período das mortes, não houve patrulhamento algum.
Os réus
O PM Fabricio Emmanuel Eleutério foi reconhecido por um sobrevivente da chacina. “Isso é prova robusta [o reconhecimento]. Se alguém atirar em você e você sobreviver, vir o rosto do sujeito e falar: ‘é ele’, que juiz que vai absolver no mundo? Que interesse que você tem imputar o crime ao outro indivíduo que não aquele que disparou contra você?”, enfatiza o promotor.
A advogada do policial, Flavia Artilheiro, disse à Agência Brasil que dados do celular de Eleutério mostram que, no momento dos crimes, ele estava a 7 quilômetros do local da chacina e que o rastreador do carro indica que, entre as 19h30 e as 22h40, ficou estacionado no endereço da namorada dele, o que foi confirmado pela moça e pela mãe dela.
Já o guarda civil Sérgio Manhanhã não atirou contra as vítimas, mas sua participação contribuiu para a consumação dos crimes, afirmou Oliveira. “O papel dele foi bastante fundamental, apesar de ele não ter disparado uma arma de fogo. Ele simplesmente desviou as viaturas dos locais onde os homicídios ocorreriam – era tudo o que eles [assassinos] precisavam”, disse o promotor. “Eles só não podiam ser pegos. Uma vez concluída a chacina, eles sabiam que seria dificílimo pegar os autores do crime”, acrescentou.
Outro envolvido, o policial Vitor Cristilder Silva dos Santos disse, em depoimento, que permaneceu no batalhão após o fim da jornada de trabalho. De acordo com o promotor, houve uma troca de símbolos por meio de aplicativo no celular, que ocorreu no horário em que os crimes foram cometidos. Cristilder mandou o desenho de uma mão fazendo sinal de positivo para o guarda civil, que respondeu com o mesmo símbolo e com outro simbolizando um braço forte.
Cristilder foi o único a recorrer da sentença que determinou o julgamento, portanto, não vai a júri nesta ocasião. A reportagem procurou a defesa do policial, mas não obteve retorno até a conclusão da reportagem.
Segundo o advogado de defesa de Manhanhã, Abelardo Julio da Rocha, não havia qualquer relação de amizade entre seu cliente e Cristilder, apenas coleguismo. Os réus reconheceram a troca de mensagens, mas afirmaram que se referiam ao empréstimo de um livro jurídico do guarda civil para o policial. A defesa acrescentou que o guarda civil “comandava apenas quatro viaturas da Guarda Municipal de Barueri e não tinha autoridade para determinar outro local de patrulhamento a não ser aquele predeterminado pelo comando da Guarda”.
Contra Thiago Barbosa Heinklain, há relato de testemunha dando conta de que o policial discutiu com a esposa, que o teria reconhecido em imagens de câmeras de segurança divulgadas por emissoras de televisão sobre o caso. A discussão foi ouvida por uma pessoa, que relatou o ocorrido para outra pessoa próxima, que, por sua vez, testemunhou à Polícia Civil. No entanto, a testemunha teve medo de reafirmar o depoimento perante a juíza.
O advogado Fernando Capano disse que não há lastro probatório para condenar Thiago no processo e que o MP não demonstrou a participação de seu cliente nos fatos apurados. “Não podemos condenar um homem apenas por ‘ouvir falar’”, acrescentou Capano.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que os inquéritos da Corregedoria da PM e do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, da Polícia Civil, foram concluídos com o indiciamento de seis PMs e um guarda civil municipal. Posteriormente, a promotoria ofereceu denúncia contra os sete indiciados, mas a Justiça Criminal de Osasco acatou denúncia apenas contra quatro deles, que estão presos e são réus no processo.
Segundo a SSP, a juíza rejeitou a denúncia contra os outros, que estão afastados do trabalho operacional. Os seis PMs respondem atualmente a processo demissório.