Chefe da Defesa Civil do Recife é acusado de fraude em verba para chuvas de 2010
Cássio Sinomar é réu em dois processos que apuram irregularidades em licitações e contratos no estado; defesa nega envolvimento
O secretário executivo de Defesa Civil do Recife, Cássio Sinomar Queiroz de Santana é réu por acusação de fraudes em verbas destinadas a cidades atingidas pelas enchentes de 2010. Atualmente, Cássio Sinomar comanda o órgão que articula ações da prefeitura em áreas de risco afetadas pelas chuvas, que nas últimas semanas deixaram 129 mortos em Pernambuco. Há mais de 128 mil desabrigados e desalojados no estado.
Sinomar responde a dois processos na Justiça Federal relacionados à Operação Torrentes, iniciada em 2017 pela Polícia Federal para apurar irregularidades na aplicação de recursos públicos pelo estado. A defesa nega o envolvimento do secretário.
Os processos estão em fase de produção de provas periciais. Não há restrições ou medidas cautelares contra o secretário, de acordo com a Justiça Federal.
Cássio Sinomar é coronel do Corpo de Bombeiros de Pernambuco. No período dos supostos desvios, ele atuava como coordenador da Defesa Civil estadual e na Casa Militar do governo Eduardo Campos (PSB).
Sinomar foi para a Defesa Civil da Prefeitura do Recife em 2014, nomeado pelo então prefeito Geraldo Julio (PSB). Seguiu na função na atual gestão de João Campos (PSB).
Os recursos investigados foram repassados ao estado pelo então Ministério da Integração Nacional, no governo Dilma Rousseff (PT), e deveriam ter sido aplicados em compra de produtos para atender às necessidades das famílias atingidas, como colchões e filtros de barro.
Segundo apurações da Operação Torrentes, os agentes públicos teriam desviado parte dos recursos por meio de fraudes em licitações, prática de sobrepreço, celebração de aditivos irregulares, pagamento por produtos não recebidos e serviços não prestados, entre outras irregularidades.
Em 2010, ao menos 20 pessoas morreram e mais de 80 mil pessoas ficaram desabrigadas após chuvas. A região mais atingida foi a Zona da Mata Sul de Pernambuco, com mais de 67 municípios impactados. Municípios de Alagoas também foram afetados pelos temporais da época.
Em uma das denúncias feitas pelo MPF (Ministério Público Federal) que citam Cássio Sinomar, os investigadores afirmam que as fraudes envolveram oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, bem como empresários favorecidos em licitações e contratos em troca de vantagens indevidas.
Segundo a Procuradoria, os crimes teriam sido praticados em duas licitações e quatro procedimentos de celebração e execução de contratos, entre 2011 e 2013, voltados à compra de filtros de barro. O órgão pediu ressarcimento de R$ 259 mil –em valores de maio de 2019– aos cofres públicos.
“Foram identificados ajustes para fraudar a competitividade nos processos licitatórios e dispensa indevida de licitação para favorecimento da empresa RJ Comércio de Eletrodomésticos Ltda, além de reajuste indevido de preço e pagamentos irregulares antes do fornecimento da mercadoria”, diz o MPF.
Segundo a denúncia, houve conluio entre a Casa Militar e empresários com o objetivo de viabilizar as fraudes. “Apenas na celebração de aditivo a um dos contratos, o prejuízo aos cofres públicos foi R$ 260 mil, devido ao reajuste irregular e sem justificativa de quase 29% no valor do filtro de barro”, diz o órgão.
Em outro processo, Cássio foi um dos 14 denunciados pelo Ministério Público por supostas fraudes que chegariam a R$ 1,9 milhão –em valores atualizados para 2019, quando foi feita a denúncia.
Neste segundo processo, são apontadas possíveis fraudes para locação de embarcações destinadas ao transporte de pessoas pelo rio Una, que corta a Zona da Mata Sul pernambucana, de novembro de 2010 a setembro de 2013.
Neste caso, a empresa que teria ganhado indevidamente a licitação para prestar o serviço é a FJW. Nos anos seguintes, segundo a Procuradoria, a mesma empresa firmou vários termos aditivos irregulares com a Casa Militar de Pernambuco para dar continuidade ao esquema.
Entre as funções atuais da Defesa Civil do Recife, comandada atualmente por Cássio Sinomar, está o desenvolvimento de ações preventivas com o objetivo de evitar ou minimizar acidentes em situações de calamidades.
Nos últimos dez anos, a prefeitura aplicou apenas 17% das verbas disponíveis para urbanização de áreas de risco. Dentre os R$ 980 milhões disponibilizados para essas ações na Lei Orçamentária Anual do município, enviada à Câmara Municipal a cada ano, apenas R$ 164,6 milhões foram aplicados na área.
O que dizem os citados
A reportagem procurou Cássio Sinomar, mas ele não atendeu as ligações nem respondeu as mensagens. Por meio de nota, a defesa dele afirmou que “durante toda sua vida [o coronel Cássio Sinomar] nunca se envolveu em nenhum fato que desabonasse sua conduta, nem na vida pessoal, nem profissional”.
Os advogados também afirmaram que “as acusações contra elesão totalmente infundadas” e que têm “certeza que ao final do processo a justiça prevalecerá com a comprovação de sua inocência”.
Por meio de nota, a Prefeitura do Recife disse que “entende que a carreira pública de 25 anos do secretário executivo “é pautada pelo compromisso com a população e amparada pela seriedade em sua atuação ética”.
A administração municipal também disse confiar na inocência de Sinomar. “A devida apuração dos fatos concluirá, respeitado o direito de ampla defesa, que seus atos foram praticados de acordo com a lei.”
A reportagem não conseguiu contato com as empresas FJW e RJ Comércio de Eletrodomésticos Ltda.