Chefes estão mais tolerantes com quem chora no trabalho, diz estudo
Empresas começam a encarar lágrimas no trabalho com outros olhos. Uma pesquisa realizada neste ano…
Empresas começam a encarar lágrimas no trabalho com outros olhos. Uma pesquisa realizada neste ano pela Accountemps, nos Estados Unidos, revela que 44% dos 2.200 diretores financeiros entrevistados consideram normal chorar de vez em quando, enquanto 30% não veem problema algum nisso.
A minoria (26%) desaprova completamente o ato. O estudo mostrou que os chefes são mais tolerantes com as lágrimas do que os subordinados. Dos 1.000 funcionários entrevistados, 32% consideram as lágrimas inaceitáveis, embora quase metade (45%) admita já ter chorado.
Responsável pela área de pesquisas executivas da Robert Half, grupo ao qual pertence a Accountemps, Mario Custodio associa a desconstrução do tabu à tendência de líderes menos autoritários e mais abertos ao diálogo.
As empresas tentam criar ambientes de trabalho mais acolhedores. Na Stone Pagamentos, há uma “sala de descompressão”, onde os funcionários podem se acalmar quando estão estressados.
“Ninguém é super-homem. O mais importante é que as pessoas sejam autênticas”, diz Luis Vabo Jr, diretor da Stone. A empresa também tornou obrigatória uma aula de inteligência emocional para a equipe de atendimento ao cliente, setor em que o choro é mais frequente, segundo o executivo.
A Mastercard busca ajudar seus empregados a encontrar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional com o programa “The Whole You” (“Você por Inteiro”), iniciado em 2016.
A proposta envolve, entre outros benefícios, horários mais flexíveis de trabalho e home office, além do abono de quatro dias anuais para os que quiserem atuar em projetos voluntários.
Contudo, para a escritora americana Anne Kreamer, autora de “It’s Always Personal: Navigating Emotion in the New Workplace” (“Sempre é Pessoal: Lidando com Emoções no Escritório Moderno”, sem edição no Brasil), é justamente a exigência de envolvimento integral dos funcionários que os têm deixado mais instáveis emocionalmente.
Ex-executiva das redes PBS e Nickelodeon, ela argumenta que, quando havia uma separação mais rígida entre vida pessoal e trabalho, os profissionais tinham tempo para desenvolver resiliência e assim lidar melhor com as dificuldades.
Hoje, com a conexão ininterrupta dos trabalhadores com suas empresas por meio da tecnologia, “eles atingem seus limites antes mesmo de os problemas aparecerem”, diz Anne.
A diretora de marketing Lana Kantor, 23, afirma sentir na pele essa pressão. Ela trabalha em startups há sete anos e já passou por duas crises de “burnout”, ou esgotamento por estresse no trabalho. Na última, em 2017, chorava pelo menos uma vez por semana.
Hoje, Lana está em um novo emprego. Ainda chora, mas com menos frequência.
Ela afirma que suas lágrimas costumam estar ligadas a uma expectativa de rendimento inesgotável no trabalho, reforçada pelo ambiente de startups. Seu choro é motivado pela sensação de que não está à altura das suas responsabilidades ou por estafa.
As razões são semelhantes àquelas listadas por psicólogos e coaches entre as mais comuns nos relatos de quem chora no -e por causa do- trabalho: críticas consideradas injustas, reprovação de projetos que demandaram grande empenho e ansiedade com prazos de entrega.
Para o psiquiatra, escritor e palestrante Roberto Shinyashiki, julgar quem chora ao perder um negócio, por exemplo, está fora de moda. “Uma pessoa que chora não é fraca. Ela dá um sinal de que se importa com a empresa”, diz.
Anne Kreamer afirma que acabar com o tabu do choro é importante porque as lágrimas apontam uma situação insustentável. “Elas permitem entender quais são nossos gatilhos emocionais”, diz.
Foi o que aconteceu com o publicitário Fernando Valiengo, 26. Um ano estressante na agência em que trabalhava como gerente culminou em sua segunda crise de “burnout”, acompanhada de uma pneumonia.
Voltando para casa depois de uma reunião em que se sentiu humilhado pelo chefe, começou a chorar. Ali, percebeu que precisava se demitir. “Não é como se vidas estivessem dependendo de mim, mas a pressão era nesse nível, não fazia sentido”, diz.
Lana Kantor se preocupa com a generalização do conceito de inteligência emocional, frequentemente citada por psicólogos e coaches como maneira de dominar o estresse. “Tenho medo de que seja um sinônimo para o quanto você é capaz de apanhar sem esboçar reação.”