China assina declaração do G20 que condena guerra na Ucrânia
Especialistas afirmam que gesto é mais uma sinalização 'pacífica' para o Ocidente do que um afastamento de fato entre Pequim e Moscou
A China assinou nesta quarta-feira uma declaração conjunta da cúpula do G20 em Bali que condena “veementemente a guerra na Ucrânia”, em seu gesto mais significativo até o momento de crítica à Rússia. A decisão foi comemorada por integrantes do grupo, mas especialistas afirmam que gesto é mais uma sinalização “pacífica” para o Ocidente do que um afastamento de fato entre Pequim e Moscou.
— O presidente russo está quase sozinho no mundo com sua política e não tem nenhum parceiro de aliança forte — disse o chanceler alemão, Olaf Scholz, que se encontrou com Xi em Pequim no início deste mês, a repórteres em Bali nesta quarta-feira, observando as “palavras surpreendentemente claras” da declaração.
Essa demonstração de solidariedade ocorreu após uma série de encontros relativamente calorosos entre Xi e os líderes mundiais que lideraram a campanha para punir Moscou, incluindo seu primeiro encontro com o presidente dos EUA, Joe Biden, na segunda-feira. Nessas conversas, Xi reforçou sua oposição ao uso de armas nucleares na Ucrânia — uma postura que delineia as linhas vermelhas da China sem abandonar completamente a Rússia.
As medidas também revelam um aparente retorno ao pragmatismo depois que Xi conquistou um inédito terceiro mandato à frente do Partido Comunista da China, consolidando seu poder. Pequim também relaxou na semana passada os requisitos de quarentena da Covid e apresentou um plano para resgatar o setor imobiliário danificado.
“A maioria dos membros condenou veementemente a guerra na Ucrânia e enfatizou que ela está causando imenso sofrimento humano e exacerbando as fragilidades existentes na economia global — restringindo o crescimento, aumentando a inflação, interrompendo as cadeias de abastecimento, aumentando a insegurança energética e alimentar e elevando os riscos à estabilidade financeira”, disse a declaração do G20, apoiada por todos os membros, incluindo a Rússia, que considerou equilibrado o documento, que não condena Moscou, mas sim a própria guerra.
O documento diz ainda que o uso ou ameaça de usar armas nucleares “é inadmissível”, e pediu a “implementação completa, oportuna e contínua” de um acordo que permita a exportação de grãos ucranianos a partir de portos no Mar Negro atingidos pela guerra — o acordo mediado pela Turquia e a ONU com a Rússia deve expirar neste fim de semana, num momento em que crescem as preocupações com a escassez de alimentos, especialmente nos países mais pobres, e de fertilizantes para a próxima safra.
Retomada das relações
Xi está tentando se restabelecer no cenário mundial depois de evitar viagens ao exterior nos primeiros dois anos e meio da pandemia — um período no qual as opiniões sobre a China se deterioraram na maioria dos países desenvolvidos. Mas isso não significa que esteja rompendo a parceria “sem limites” que proclamou com Putin semanas antes de o líder russo dar início ao maior conflito no continente europeu desde a Segunda Guerra Mundial. Pequim vê Moscou como um parceiro valioso para desafiar o poder dos EUA e ainda se recusa a condenar publicamente a guerra.
O ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, foi o único diplomata do G20 a se encontrar oficialmente com o homólogo russo, Sergei Lavrov, que estava substituindo Putin. Foi o décimo bate-papo deles este ano. Wang disse que a China “continuará a defender uma posição objetiva e justa e a desempenhar um papel construtivo” na promoção das negociações de paz. Lavrov, por sua vez, disse estar confiante de que “a continuidade das abordagens em relação à nossa parceria abrangente e cooperação estratégica será garantida”.
— A China está tentando passar uma imagem “pacífica”, mas na realidade não há nenhuma crítica significativa à invasão da Ucrânia pela Rússia, matando civis inocentes — disse Justyna Szczudlik, vice-chefe de pesquisa do Instituto Polonês de Assuntos Internacionais em Varsóvia. — A tarja antiocidental e antiamericana cola fortemente à China e à Rússia.
Durante a cúpula do G20, Xi se reuniu com Scholz e o presidente francês, Emmanuel Macron, e deve se encontrar com o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, na quinta-feira no fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico.
Em entrevista coletiva nesta quarta-feira, Macron chamou o compromisso de Xi com a carta das Nações Unidas assinada em março de “sincero” e disse que “não tem dúvidas de que há limites para a parceria” com a Rússia. O documento “lamenta nos termos mais fortes a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia e exige sua retirada completa e incondicional do território da Ucrânia”.
— A China sempre condenou firmemente o uso de armas nucleares de qualquer forma, a China sempre impôs esse limite — disse Macron. — E o presidente Xi Jinping sempre foi claro sobre isso, ele está pedindo paz e o fim do conflito.
Sinalização ao Ocidente
Um diplomata ucraniano em Pequim atribuiu os esforços da China para se distanciar da Rússia à contra-ofensiva ucraniana que recuperou grandes extensões de território desde o início de setembro. Isso mostrou que a combinação de tropas ucranianas e armas ocidentais era mais forte do que a Rússia e a China imaginavam, disse o diplomata.
— Existe um claro desejo de Pequim de mostrar que quer levar o relacionamento com os EUA para uma base mais estável — disse Raffaello Pantucci, pesquisador sênior da Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura. — É mais um sinal para o Ocidente, do que um distanciamento de Putin. Mais um esclarecimento e sinal de que eles querem encontrar um caminho estável a seguir.
Embora a declaração tenha sido endossada por todos os membros do G-20, incluindo a Rússia, deixou claro que alguns países têm “outras visões e avaliações diferentes da situação e das sanções”.
A Rússia vê o documento como equilibrado – que não condena Moscou, mas sim a própria guerra, disse uma pessoa próxima à delegação russa antes da divulgação do comunicado final. O rascunho abordou as preocupações do Kremlin sobre as sanções impostas pelos aliados da Ucrânia e mostra como facilitar as exportações de grãos e fertilizantes da Rússia também é uma parte essencial do acordo de grãos alcançado com a Ucrânia em julho, disse a pessoa, pedindo para não ser identificada, discutindo assuntos privados.