PROIBIÇÃO

Cidade do Mato Grosso proíbe ‘ideologia de gênero’ em escolas e locais públicos

Decisões prévias do STF indicam que nova lei municipal pode ser declarada inconstitucional

Cidade do Mato Grosso proíbe 'ideologia de gênero' em escolas e locais públicos (Foto: Prefeitura de Sinop)

Vereadores de Sinop, município de quase 150 mil habitantes no interior de Mato Grosso, aprovaram uma lei que proíbe qualquer manifestação sobre gênero em locais públicos, locais privados de acesso ao público e instituições de ensino da cidade.

O texto veta “a distribuição, utilização, exposição, apresentação, recomendação, indicação e divulgação” de qualquer tipo de material “contendo manifestação ou mensagem subliminar da ideologia de gênero”, o que já foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao menos quatro vezes.

A norma foi aprovada em votação única na Câmara Municipal no dia 2 de março, recebendo 12 votos a favor e 2 contra. Uma semana depois, em 9 de março, foi sancionada pelo prefeito Roberto Dorner (Republicanos).

A lei define o material proibido como “todo aquele que inclui em seu conteúdo informações sobre a prática da orientação ou opção sexual, da ideologia de gênero, de direitos sexuais e reprodutivos, da sexualidade polimórfica, da desconstrução da família e do casamento tradicional”.

Também determina que o Executivo regulamente a medida, apontando qual será a secretaria responsável por receber denúncias e aplicar sanções. O termo “ideologia de gênero” nunca foi usado por educadores. Ele se consolidou em documentos religiosos e entre os que atacam a abordagem.

Questionada sobre a inconstitucionalidade do texto, a prefeitura não respondeu. Já o Ministério Público do Mato Grosso afirmou apenas que “o caso ainda está sendo analisado pela Procuradoria-Geral de Justiça”.

Única vereadora da casa, a professora Graciele dos Santos (PT) —que votou contra a norma ao lado do também professor Mário Sugizaki (Podemos)—, afirma que pretende tomar providências jurídicas e diz que votar projetos inconstitucionais acaba desperdiçando tempo e recursos públicos.

Ela argumenta que, na prática, a lei impede que professores trabalhem temas como gravidez precoce e abuso sexual na sala de aula: “Além disso é totalmente preconceituosa e homofóbica. Ignora outras formas de família como avós que cuidam de seus netos e casais homoafetivos”, declara.

Votaram a favor os vereadores Ademir Debortoli, Adenilson Rocha, Célio Garcia, Celsinho do Sopão, Dilmair Callegaro, Juventino Silva, Lucinei, Luís Paulo da Gleba, Moisés Jardim do Ouro, Paulinho Abreu, Professor Hedvaldo Costa e Toninho Bernardes.

Segundo a parlamentar, Sinop tem um histórico nesse tipo de discussão. Uma outra norma vetou no ano passado a chamada linguagem neutra (que usa uma terceira letra além do “A” e do “O” no final das palavras) nas escolas e, mesmo com recomendação de revogação pela Promotoria, continuou em vigor.

Tentativas de proibir abordagens sobre identidade de gênero nas escolas acumularam derrotas em série no STF em 2020. Ao menos quatro decisões por unanimidade naquele ano consolidaram o entendimento de que é inconstitucional o veto ao tema na educação.

As ações refutaram legislações aprovadas em Novo Gama (GO), Foz do Iguaçu (PR), Ipatinga (MG) e Cascavel (PR). Esta última, de 2015, proibia a “adoção de políticas de ensino que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual'”.

O ministro Luiz Fux, relator da matéria, escreveu que “a proibição genérica de determinado conteúdo, supostamente doutrinador ou proselitista, desvaloriza o professor, gera perseguições no ambiente escolar, compromete o pluralismo de ideias, esfria o debate democrático e prestigia perspectivas hegemônicas por vezes sectárias”.

Os posicionamentos da Corte enfraqueceram uma pauta do presidente Jair Bolsonaro (PL). Trata-se ainda do principal front de batalha de políticos e lideranças evangélicas.

Na última terça (8), por exemplo, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que o governo não vai permitir “ensinar coisa errada” nas escolas ao mencionar questões de gênero.

“Não tem esse negócio de ensinar você nasceu homem, pode ser mulher. Respeito todas as orientações. Mas uma coisa é respeitar, incentivar é outro passo”, declarou ele, que já foi denunciado pelo crime de homofobia por outra fala em que atribuiu a homossexualidade a “famílias desajustadas”.