Prevenção

Cientistas brasileiros descobrem como prevenir Alzheimer

A irisina, um hormônio produzido pelos músculos quando praticamos exercícios, protege o cérebro, dizem pesquisadores da UFRJ

Cientistas brasileiros descobriram um caminho para prevenir e potencialmente tratar o Alzheimer, a doença neurodegenerativa que mais avança no mundo à medida que a população envelhece e para a qual não há cura. A chave é o exercício físico. A irisina, um hormônio produzido pelos músculos quando praticamos exercícios, protege o cérebro e restaura a memória afetada pela doença, revelou o estudo.

Batizada em alusão à mensageira dos deuses, Íris, a irisina era associada apenas à queima de gordura. Mas um grupo de cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) descobriu que, no cérebro, ela é importante para que os neurônios possam se comunicar e formar memórias.

A descoberta tem duas implicações. A primeira é que já se pode dizer que o exercício, mesmo que ainda exista muito o que estudar, contribui para a prevenção do Alzheimer.

“Ainda não sabemos a dose certa de exercício. Mas ele certamente é fundamental para o metabolismo do cérebro e das doenças provenientes do desequilíbrio deste, como o Alzheimer. Temos que caminhar, nadar, pedalar ou correr. O fundamental é se exercitar, sempre, tornar isso parte da vida, rotina”, afirma Fernanda de Felice, uma das coordenadoras do estudo conduzido pelos institutos de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis e de Biofísica Carlos Chagas Filho, ambos da UFRJ, e da Queen’s University, no Canadá.

Possibilidade de remédios

O outro desdobramento mais distante da pesquisa publicada numa das mais importantes revistas científicas do mundo, a “Nature Medicine”, é a possibilidade de desenvolver medicamentos à base de irisina ou de seus mecanismos para pessoas que estão com a doença ou que não podem fazer exercícios, como deficientes físicos.

“O exercício, por liberar irisina, atua duplamente: na prevenção da perda de memória e na restauração da que foi perdida”, observa Sérgio Ferreira, que é outro autor do trabalho e professor dos institutos de Biofísica e de Bioquímica Médica da UFRJ.

A origem do estudo está nas pesquisas de Felice, neurocientista da UFRJ e da Queens’s University, no Canadá, sobre a associação entre os hormônios e o Alzheimer. Há dez anos, ela começou a obter os primeiros indícios da relação entre este tipo mais comum de demência e o diabetes.

Os diabéticos, especialmente os do tipo 2, têm maior risco de desenvolver a doença, causadora da resistência à insulina, que no cérebro também está associada à comunicação entre os neurônios. O estudo com a irisina, que também atua sobre o metabolismo cerebral, foi um desdobramento dessas pesquisas.

O metabolismo cerebral é uma caixa que a ciência mal começou a abrir. Dentro dela, está a chave para compreender como o cérebro conversa o tempo todo com o restante do organismo.

“Se quisermos entender uma doença com a complexidade do Alzheimer, precisamos compreender a integração entre o cérebro e o corpo. O cérebro não funciona sozinho, não flutua no vácuo”, diz Sérgio Ferreira.

O exercício funciona com um gatilho para os músculos liberarem irisina. Ela vai para o tecido adiposo branco, a chamada gordura ruim, e a transforma em bege, uma forma intermediária de gordura menos nociva. A irisina é uma “maestrina” do metabolismo. Ela atua positivamente sobre o equilíbrio de ossos e pulmões, e o grupo de brasileiros comprovou agora que também está ativa no cérebro.

Risco para 25% dos que têm mais de 75 anos

A necessidade de desenvolver um remédio eficiente aumenta no ritmo em que a expectativa de vida se eleva. Segundo Ferreira, 25% das pessoas com mais 75 anos correm risco de desenvolver Alzheimer. Esse percentual sobre para 40% para quem tem mais de 85 anos.

Esta é uma doença cruel, de evolução lenta, terrível para o paciente e a família, destaca Ferreira, cujo pai morreu devido ao Alzheimer. “Eu havia começado a estudar a doença quando meu pai foi diagnosticado. Parei essa linha de pesquisa por alguns anos, mas acabei voltando”, conta ele, que estuda o Alzheimer há 20 anos.

O trabalho só foi possível porque Fernanda de Felice conseguiu financiamento no exterior. Após amargar quatros sem dinheiro para a pesquisa, ela foi para o Canadá, onde conquistou um financiamento de US$ 150 mil — o equivalente a mais de R$ 550 mil — da Sociedade Canadense de Alzheimer. Foi a vitória do mérito, destaca ela. Apenas três bolsas foram concedidas para 200 concorrentes de alto nível.

“Venci mesmo não sendo canadense. Sem esse dinheiro, o trabalho não existiria, mesmo com o pagamento do Brasil a bolsas de alunos. Essas não são pesquisas baratas. Medicina custa caro”, frisa ela.

Sérgio Ferreira diz que a falta de investimento no Brasil faz com que muitas descobertas não tenham desdobramentos: “Praticamente não se faz pesquisa clínica no Brasil. Dependemos do que vem do exterior. Isso acontece porque nunca houve apoio oficial para a pesquisa. Ela custa caro, mas, se o Brasil quer inovar e ser independente da área farmacêutica, deveria investir”.

Quando escreveu que uma mente sã num corpo saudável (do latin, “mens sana in corpore sano”) era o que se deveria desejar na vida, o poeta romano Juvenal pensava em outras coisas. Dois mil anos depois a ciência prova que ele estava certo.