MUTAÇÃO

Cientistas brasileiros descobrem nova variante do coronavírus

Cepa, que é associada a uma maior capacidade de transmissão, já se espalhou por estados de todas as regiões, à exceção do Centro-Oeste

(Foto: Fabio Motta / Agência O Globo)

Cientistas brasileiros descobriram uma nova variante do coronavírus. A descoberta foi relatada numa comunicação conjunta à Rede Corona-ômica de sequenciamento genético do Sars-CoV-2 por cinco instituições, coordenadas pelo Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC). Num trabalho independente, a mesma variante também foi descrita por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ela teria surgido em agosto e já se espalhado por estados de todas as regiões, à exceção do Centro-Oeste.

A nova variante tem uma origem distinta das linhagens brasileiras P1 e P2, que causam preocupação mundial, especialmente a primeira. Porém, também provoca apreensão porque compartilha com elas a mutação E484K na proteína S do vírus, alvo da maioria das vacinas e testes de diagnóstico.

Essa mutação é associada a uma maior capacidade de transmissão. Também se teme que possa escapar do ataque de anticorpos e, com isso, reduzir a eficácia de vacinas.

O coordenador da Corona-ômica, o virologista Fernando Spilki, diz que há evidências fortes de que existe uma maior transmissibilidade. Mas o escape de anticorpos precisa ser investigado em profundidade. Até agora, as vacinas continuam a se mostrar eficientes.

Mas cientistas salientam que é preciso acelerar a imunização e proteger o maior número de pessoas possível justamente para evitar que o vírus vá mudando ao ponto de impactar seriamente a efetividade das vacinas.

Epicentro da pandemia e com a transmissão do Sars-CoV-2 descontrolada, o Brasil é considerado um celeiro de emergência de novas variantes do coronavírus, um laboratório a céu aberto. Por isso, a descoberta preocupa o mundo, mas não surpreende, afirma Ana Tereza Vasconcelos, coordenadora do Laboratório de Bioinformática do LNCC.

— O estudo de novas variantes é essencial porque o vírus está sempre mutando e quanto maior a transmissão, maior a chance de surgirem mutações. O sequenciamento, ao revelar mutações e variantes, mostra a cara do inimigo que estamos enfrentando — observa Ana Vasconcelos.

O grupo coordenado por ela sequenciou e analisou 195 genomas, provenientes de pacientes com Covid-19 de 39 municípios, de cinco estados (Rio de Janeiro, Amazonas, Bahia, Paraíba e Rio Grande do Norte). Os genomas foram depositados em bases de dados públicas internacionais (GISAID).

As amostras foram coletadas entre 1º de dezembro de 2020 a 15 de fevereiro de 2021, de pacientes de 11 a 90 anos de idade, sendo 92 homens e 93 mulheres.

O trabalho, submetido a uma revista científica internacional, é assinado por 22 pesquisadores. Além do LNCC, participaram a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC/BA).

O sequenciamento faz parte da Rede Vírus, do MCTI/FINEP/CNPq, da Rede Corona-ômica-RJ, Faperj e da Capes.

A história da emergência da nova variante, provisoriamente chamada de VOI 9 (de variante de interesse, em inglês) pela equipe da Fiocruz, diz muito sobre a propagação da pandemia pelo Brasil. No primeiro semestre de 2020, duas linhagens dominavam a pandemia no país: B.1.1.28 e B.1.1.33.

As variantes P1 e P2, que se disseminaram rapidamente pelo país, derivaram da B.1.1.28. Hoje, segundo Vasconcelos, a P2 é dominante do Brasil, mas a P1 já mostra sinais de forte espalhamento.

A P1 surgiu em Manaus e foi descrita no fim do ano passado. É alvo de maior preocupação do que a P2 porque, além da E484K, tem ainda outras duas mutações importantes, incluindo a designada N501Y, a mesma da variante britânica, que também suscita preocupação mundial. A P1 é chamada de variante de preocupação.

Já a P2 foi descrita no fim do ano passado, mas emergiu no início do segundo semestre de 2020, no Rio de Janeiro, onde é quase absoluta agora. Por ter menos de mutações perigosas, é classificada como variante de interesse.

A variante identificada agora recebeu, por ora, a mesma classificação de variante de interesse. Porém, ela é derivada da outra linhagem, a B.1.1.33. Como a P2, preocupa porque tem a temida E484K.

O grupo da Fiocruz, num artigo já disponível em pré-publicação na Virological.org, diz que a VOI 9 foi detectada entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021. Ela tem três outras mutações e provavelmente emergiu em agosto de 2020 e está espalhada por estados do Sudeste, Sul, Norte e Nordeste.

O coronavírus se espalha e se transforma numa velocidade muito maior do que o Brasil vacina, daí o alerta dos cientistas sobre a necessidade de intensificar a imunização. Um exemplo disso, além da descoberta de novas variantes, é a velocidade como estas, por sua vez, se modificam.

— Já há sinais de que a P2, embora recente, começa a se diversificar. O coronavírus está à solta e, à medida que se espalha, encontra novas chances para mudar. Por isso, precisamos monitorá-lo. E, sobretudo, contê-lo o mais depressa possível — enfatiza Ana Vasconcelos.