Cientistas recomendam ‘lockdown’ em vários estados do país
Distanciamento social mais severo é a única medida, no momento, para evitar um número maior de mortes por Covid-19
Diante da escalada da Covid-19 no país, cientistas estão recomendando a adoção de medidas mais severas para impedir a circulação de pessoas pelas ruas de estados e cidades onde o sistema de saúde está ameaçado de colapso. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) recomendou a implantação urgente do lockdown no Estado do Rio. A iniciativa, segundo a instituição de pesquisa, é para evitar uma “catástrofe humana de proporções inimagináveis para um país com a dimensão do Brasil”.
O Comitê Científico do Consórcio do Nordeste também reforçou essa estratégia para os estados da região que estejam com uma ocupação de leitos superior a 80% e uma curva ascendente de casos. Cidades como Belém (PA), Fortaleza (CE) e São Luís (MA) adotaram medidas de limitação de pessoas nas ruas esta semana. Em Pernambuco, a Justiça rejeitou pedido do Ministério Público para adotar maiores restrições. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), disse que o confinamento compulsório ainda não está em seus planos, mas não descartou a possibilidade:
— A prefeitura tem, em cima da mesa, várias opções de ação. Estamos buscando aquelas que não restrinjam ainda mais a atividade econômica. Mas, quando eles (a Secretaria de Saúde) acharem ser necessário, nós faremos.
O ministro da Saúde, Nelson Teich, admitiu ontem que haverá situações em que a recomendação será para o lockdown. Segundo ele, as novas diretrizes do Ministério da Saúde sobre as políticas de isolamento que devem ser usadas no país estão prontas, mas que o órgão estuda o melhor momento para divulgá-las. Ele afirmou que deverá pedir aos integrantes do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) que revisem o plano.
— Vai ter lugar em que vamos recomendar lockdown, e vai ter lugar que vai permitir fazer outras coisas — afirmou o ministro.
Um relatório divulgado ontem pelo comitê do Nordeste, comandado pelo neurocientista Miguel Nicolelis e pelo ex-ministro Sérgio Rezende, afirma que “o lockdown é eficaz para reduzir a curva de casos e dar tempo para a reorganização do sistema de saúde”. O documento lembra que países que implementaram a medida conseguiram sair com rapidez do momento mais crítico da pandemia.
Medida começa no Pará
As únicas cidades que decidiram adotar o lockdown ficam no Nordeste e no Norte. Por decisão da Justiça, a capital do Maranhão e outros três municípios da Região Metropolitana do estado já estão sob restrições mais severas desde anteontem. A medida vale por dez dias. Um decreto no Pará estabeleceu o bloqueio total em dez cidades a partir de hoje. Já o governo cearense anunciou restrições de circulação em Fortaleza, que concentra 80% dos casos do estado, de amanhã até o dia 20.
Belém e outros nove municípios do Pará já começam hoje com o bloqueio total. A restrição se estende por dez dias e vai limitar a circulação de pessoas nos sete municípios da região metropolitana e outros três no interior, de acordo com o G1. A determinação vai manter apenas os serviços essenciais em funcionamento como supermercados, farmácias, feiras e bancos. Até este sábado, a medida terá caráter educativa, com orientações a quem infringir as regras. Porém, de domingo em diante, até 17 de maio, quem desrespeitar as medidas estará sujeito a advertências e multas de R$ 150 para pessoas físicas e R$ 50 mil para pessoas jurídicas.
Em Pernambuco, a Justiça rejeitou pedido de ‘lockdown’ para combater a Covid-19. Nesta quarta-feira, circularam informações sobre o isolamento no Recife, e houve corrida a bancos e supermercados. O governo chegou a divulgar uma nota para negar que o martelo sobre a adoção da medida já tenha sido batido. O estado é Pernambuco é o quarto mais afetado pelo coronavírus no Brasil, com 9881 casos e 803 mortes.
— Esse bloqueio completo ou bloqueio total é muito difícil de ser implementado ou de ser sustentável sem apoio do governo federal. Mas, obviamente, não há uma dependência disso e nós estamos ainda estudando — afirmou o secretário estadual da Saúde, André Longo.
No Amazonas, o juiz Ronnie Frank Torres Stone, da 1ª Vara da Fazenda Pública, negou o pedido de liminar feito pelo Ministério Público para impedir a circulação pelas ruas do estado. Os promotores defendiam que era necessário garantir, “de fato, o isolamento social” para reduzir o avanço do coronavírus. Por isso, pediam que a medida fosse adotada por dez dias, com a aplicação de multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento.
No Rio, o governador Wilson Witzel já discute com juristas a proposta de lockdown apresentada pelo comitê de cientistas que assessora o estado nos temas relativos à Covid-19. Integrante do grupo, o epidemiologista Roberto Medronho, da UFRJ, disse que isolamento radical é a única maneira de deter o avanço rápido da doença. Na opinião dele, a medida deveria ter “começado ontem”.
— A única vacina que nós temos no momento é o lockdown. Nós estamos recomendando sabendo que é um remédio amargo, mas não é por ser um remédio amargo que nós deixaremos de receitá-lo ao paciente. Nós estamos vendo hoje pessoas lotando as emergências sem vaga de CTI. E isso tende a se agravar. Infelizmente, poderemos ver pessoas morrendo em casa sem assistência médica. Então, a hora de decretar o lockdown é agora, para tentar reduzir essa escalada — afirmou.
Outra especialista do comitê, a pneumologista Margareth Dalcomo, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, concorda com Medronho: o lockdown já deveria ter sido implantado.
— A medida será tomada tardiamente. Isso deveria ter acontecido há três semanas, quando a situação não era tão dramática — disse.
O relatório da Fiocruz, divulgado ontem pelo Ministério Público do Rio, mostra que, sem restrições mais severas, esse quadro deve piorar. O lockdown é a opção neste momento para “salvar vidas”, cita o documento. Uma projeção feita pelos pesquisadores aponta que, de acordo com o panorama atual, entre os dias 13 de maio e 22 de julho, o estado não terá mais leitos de UTI, seja na rede pública ou na privada. Eles ressaltam, no entanto, que essas medidas mais restritivas devem vir acompanhadas de “apoio econômico e social às populações vulneráveis”.
O Ministério Público do Rio enviou o parecer da Fiocruz para o governo do estado e para as prefeituras fluminenses. Wilson Witzel ainda não decidiu pelo lockdown. Mas, ontem, o estado começou a apertar o cerco contra aqueles que desrespeitam a quarentena. Comerciantes de setores não essenciais que abrirem as portas serão multados. Já quem insistir em se aglomerar em praias e parques poderá ser levado para a delegacia e autuado.
Se adotado o lockdown, as divisas do estado seriam fechadas e a circulação de pessoas ficaria restrita a ações essenciais, como para compra de alimentos e medicamentos e serviços de delivery.